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segunda-feira, fevereiro 26, 2007

VELHOS SÃO OS BARCOS




fotografias de Rocha de Sousa
Aproveitando a possibilidade de inscrever aqui, num roteiro de obras minhas de vários géneros, o antes e o depois, lembranças, a produção actual com objectos «velhos» de trinta anos, retomo a fotografia, vinte anos atrás, trabalhos em torno das velhas embarcações desactivadas, registos de natureza analógica que atestam a identidade técnica e poética deste dispositivo. Há também que salientar a propriedade específica do preto-e-branco, na ilusão de um realismo que foi trabalhado, assim, outrora, por extraordinários fotógrafos, mesmo quando a cor já invadira o mercado. Entre nós, os valores do mimetismo têm arrasado muitos meios de produção artística (e outra) na vertigem da velocidade, da compra em primeira mão. Em cinema, formatos como o 16 mm e o super 8 mm, nas suas vertentes analógicas, foram atirados ao lixo, sem alternativa de uma lateral sobrevivência, e substituídos por todas as câmaras vídeo que os técnicos inventaram, com efeitos especiais e possibilidades invulgares de trabalhar à partida a imagem, o que deveria implicar melhores critérios de roteiro e planificação, uma vez que as máquinas sugeriam a mudança de tempo e de lugar, alterações de cor, preto-e-branco, sépia e negativo, legendagem, solarização, paragem do plano, entre outras coisas. As câmaras de maior formato, que permitiam importantes índices de estabilidade, foram bem depressa substituidas por um universo de câmaras pequenas, embora capazes de realizarem o que se referiu atrás -- ou bem perto disso. E agora é o vídeo, cujos materiais de suporte se degradam a breve trecho, que começa a ser substituído pelo DVD, inclusive em gravação directa do visível para um disco integrado na câmara. Esta lógica de substituição e consumo leva-nos a ceder, por vezes em condição de reféns, à sobrecarga do imaginário com recursos banais ou domingueiros.
Há alguém que veja nas montras máquinas fotográficas de grande sofisticação, a par de um mercado de edição minimamente satisfatório? Ninguém as compra. Só digitais. Mas são coisas diferentes, como o super 8 (cinema) e o vídeo super 8 ou VHS.
Recordemos então, através destas três fotografias que o tempo atacou em parte, o tempo da óptica analógica e o impressionante realismo (mais do que se usássemos a cor) que se desprende dos ferros retorcidos de algum cargueiro já comido na sucata, ou o corpo tombado de uma barcaça construída em madeira, semelhante a essas baleias mortas que vêm dar à costa, ou ainda o resto garboso da proa de uma barco feito em madeira e lentamente desfeito lá para as curvas arenosas do Seixal.

domingo, fevereiro 25, 2007

OLHAR E FECUNDAR


pinturas digitais de rocha de sousa
Esta breve incursão nos meus ensaios de desenho e pintura com meios digitais e fixação por impressora pretende apenas dar a ver, entre outros espaços de criação, uma forma plástica que, apesar de não perder a identidade da forma que pratico, releva contudo da compreensão mais despojada quer dos meios quer do discurso. Evocando a construção do desenho animado, a primeira imagem, em cima, sugere um personagem vagamente naif, habitante corrente da rua, a contemplar um objecto absurdo, suspenso sobre a sua cabeça, ou vogando, observador, sobre quem o fixa em jeito de surpresa.
A imagem situada em baixo, fazendo concordância formal e cromática com a anterior, parece a metamorfose irrecusável da outra que descia e se requalifica absorvendo o pequeno personagem espantado. Agora ´poderemos imaginar uma entidade híbrida, um corpo de dois blocos inchados em ariculação no espaço, ser indizível e que, em princípio, suscitará algum respeito pela sua estranheza.
Esta abordagem às duas pinturas não é um entendimento científico, que parta das estruturas básicas, cromáticas, além de seres vagamente humanóides em apelo transformista, a par de um trabalho mais gráfico do que pictórico, a lembrar o desenho animado ou a banda desenhada. Se essas coordenadas se podem convocar, desta ou de outra maneira, a verdade é que todo o espaço da nossa experiência pessoal, criativa, diante de propostas tão abertas quanto estas, fica de facto livre, no limite de um imaginário sempre rico.Na mais extrema das metáforas, resta-nos a liberdade para dizer que ollhar também fecunda. A metamofose final é, porventura, o resultado de uma simbiose fecundante, biologicamente pomposa.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS

As pinceladas gestuais entre lixos rasgados

tão perto de personalidas públicas





Ver o real e a pintura, diferença na semelhança

É inútil desvincular o pensamento plástico do visível

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A realidade transforma-se

a cada instante

no uso que fazemos dela,

ou ela de si mesma.

Mas no confronto das coisas visíveis

com a sua metamorfose expressiva,

diferença e semelhança acabam

misturando-se no nosso próprio imaginário.

Aquilo que os artistas nos dão a ver é parte

do que eles próprios vêem e do que se encontra

para além do visível, formas expressivas outras -- e o sonho.

e do que está para além do visível, formas expressivas outras.


pinturas de Teresa Magalhães

fotografias de Rocha de Sousa

terça-feira, fevereiro 13, 2007

A CÂMARA CLARA

fotos Rocha de Sousa

«A Fotografia não diz (forçosamente) aquilo que já não é, mas apenas e de certeza aquilo que foi. Esta subtileza é decisiva. Diante de uma foto, a consciência não segue necessariamente a via nostálgica da recordação (quantas fotografias estão fora do tempo individual), mas, para toda a fotografia existente no mundo, a via da certeza: a essência da Fotografia é ratificar aquilo que representa. Um dia, um fotógrafo enviou-me uma foto minha. Apesar dos meus esforços, não consegui recordar-me onde havia sido tirada. Inspeccionei a gravata, o pull-over, a fim de detectar em que circunstância os tinha usado; trabalho inútil. E, contudo, porque se tratava de uma fotografia, não podia negar que tinha estado (mesmo que não soubesse onde). Esta distorção entre a certeza e o esquecimento provocou-me uma espécie de vertigem e como que uma angústia policial (o tema de Blow-up não andava longe); eu ia à inauguração como um inquérito para compreender finalmente aquilo que já não sabia de mim próprio» 1
Este trecho de «A Câmara Clara», de Roland Barthes, encerra muito da nossa contingência, o tempo em que nos reconhecemos e aquele de que nos perdemos, embora ambos possam coincidir num mesmo registo. Blow-up é uma obra modelar neste sentido e os próprios instrumentos usados, embora diferentes, dizem a mesma verdade final: o pintor apropria-se do real, começando a pontilhar a tela, partindo portanto do irreal. O fotógrafo, que Antonioni coloca no centro da trama (possuidor da aparente verdade que uma fotografia encerra), regista convulsivamente o real, uma cena de amor, verificando depois, no atelier, que a ambiguidade da posição da rapariga num certo instante podia pôr em causa a evidência inicial. De facto, como sabemos, a investigação técnico-plástica do fotógrafo, leva-o a concluir ter captado a sequência de uma armadilha, não uma cena de amor mas uma cena de crime.
Aqui, ao entardecer, enquanto escrevo, olho para fora e um sol dourado estimula-me a pegar na máquina fotográfica para registar aquele instante de luz. Continuo a trabalhar, batendo as teclas do computador como agora. Numa pausa, pouco depois, não posso saber bem, lembrei-me da luz e ergui os olhos. Tudo havia mudado. Fotografei de novo o que via, mesmo sem repetir o enquadramento, só para reflectir aobre a incerteza das coisas e do olhar no tempo. Se perdesse o primeiro registo e me quisesse, anos depois, reencontrar na segunda fotografia, baça e tristonha, teria infelizmente a certeza de que a imagem de outrora, usado outro meio de a dizer, nenhum texto (por exemplo) poderia entretanto dar-ma.
1 Excerto do livro «A Câmara Clara», de Rolamd Brathes, pag 120, ed 70

sábado, fevereiro 10, 2007

DANTES FOTOGRAFAVA-SE ASSIM















As fotografias aqui publicadas correspondem aos avôs paternos do autor deste blog. Claro que, revisitadas, são sobretudo uma homenagem familiar. Mas aqui podem testemunhar como já se fotografava nas duas primeiras décadas do século XX e o sentido de plasticidade, poeticamente muito forte, que emerge desta vaga bruma, desta distância logo anunciada naquele tempo. De resto, tratando-se de peças de grande formato, mais se apuram os nossos sentidos na peculiar natureza destas pessoas a montante do traçado da nossa vida.Eugénio ds Santos, autor das fotografias e muito reputado no país, era daqueles que punham os pintores retratistas em polvorosa, pois este realismo é bem maior do que as laboriosas imagens que eles produziam.

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

RONDA TÉCNICO-IMAGINÁRIA: DERIVAS




À media que os resultados começam a ter condições para criar, ou de um ponto de vista estrutural, ou em função da diferença cromática na mesma base compositiva, a possibilidade de consolidação de uma identidade e da sua projecção significante, aumenta globalmente com clareza. O autor confronta-nos com estes problemas à maneira de uma partilha das aprendizagens. As duas pinturas da mesma composição, propositadamente em cores por vezes saturadas, podem agora baixar os valores quentes, quer em parte, quer dentro de uma sensível homogeneidade. Tais demonstrações, que se espera demonstrar didacticamente em breve, parecem ser de facto caminhos para novos modos de formar, entre a tradição, as novas tecnologias e um aberto pensamento plástico.

Estas composições, que se baseiam no mesmo procedimento tecnológico e ténico das anteriores, embora possuam na realidade (30 x 30), têm acabamentos pós experimentais mas o autor não as considera ainda integradas no seu projecto habitual de discurso, ainda que se revistam de uma complexidade formal, dramática ou decorativa, que permite aos seguidores destes processos reconhecer quem as assina.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

DOIS PEQUENOS OBJECTOS SEM NOME

Voltando ao campo da imagem pictórica de base digital, aqui temos duas composições gemináveis, orientadas segundo a diagonal ascendente, mas equilibrando-se porque a colocação no espaço acentua o peso visual no quadrante inferior esquerdo. As pinturas estabelecem uma relação de semelhança na diferença, isto é, a sua configuração geral é idêntica mas o detalha afasta-as: à esquerda, onde não seria difícil nomearmos uma sacola suspensa, a periferia aproxima-se da imagem colocada do lado direito. Mas, neste caso, há formações orgânicas que parecem guardadas (no interior da sacola?) e que determinam uma hipotética desmultiplicação de sentido.Além disso, o elemento de sustentação não existe ou tem outro desenho: correia de um lado, asa de mão do outro.
A leitura analógica numa composição, ou em duas que se formaram da mesma génese, tende a historiar os elementos, relacionando no campo a sua história e os significados eventualmente comparáveis.

domingo, fevereiro 04, 2007

FFRAGMENTO DE «A CASA REVISITADA»


12

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Tento esvaziar a primeira gaveta do primeiro móvel à direita da porta, na sala que servira de escritório. Escritório depois destituído de funções, biblioteca sem ordem, arrecadação de caixas e selos, ossos antigos, candeias árabes ou sala de estar ou sala de trabalho -- retiro de desenhadores, leitores prov´vae e poetas de circunstância. Avanço dedos indecisos no arquivo nostálgico dessas idades que se perdem na desordem, fabuloso nexo, por outro lado, de múltiplos desarranjos criadores, e os maços de fotografias emergindo na superfície cheia como um lixo branco a crescer. Meninos nus, deitados sobre pedestais de seda, misturam-se com rapariguinhas de chapéu branco e laçarotes cinza, ou com fotografias de famílias inteiras expostas de frente, desbotadas pela lenta cremação das matérias modeladores do visível, agora quase flutuando numa espécie de queimadura feita pelo obturador demasiado aberto -- olhos negros suspensos em véus mal definidos, brancos de ausência, alto-contraste a negro dos fatos, as polainas dos homens tornando autónomos e caricatos os sapatos sem corpo, sem chão, reduzidos à perspectiva do escorço, ou laterais e solitários ao lado de bengalas presas a mãos invisíveis. Deixo cair montes destes fantasmas sobre o pó do tapete, procuro com alguma impaciência o fundo da gaveta, leio de raspão sonetos que passam, pateticamente líricos, e espreito caixas de cigarrilhas podres, acabando por esgaravatar, munido do corta-papéis, os papéis sedosos e dobrados que encobrem os últimos testemunhos, cartas soltas, postais, um barco enorme todo furado de vigias, carregado de formigas escuras, de acenos, de serpentinas, de cordas pesadas. Apesar da diferença festiva, este navio faz-me lembrar as partidas dos paquetes para África, nos ans sessenta, sem alegria nem serpentinas, muito mais cheios de silhuetas, três mil soldados de cada vez, todos para Angola e em força, as malas, os sacos, os gritos mutilados, intérpretes depois por muitos natais que a televisão transmitia de forma massificada, banalizante, «um adeus português, mensagens a preto-e-branco na distância impensável, a câmara a deslizar de rosto em rosto, «um abraço para vocês, bom Natal, adeus e até ao meu regresso».
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Excerto do livro A CASA REVISITADA, de Rocha de Sousa. Penso que posso passar a publicar aqui referências aos meus livros, da minha obra polifacetada, tais como A CULPA DE DEUS (para um ensaio sobre o livre arbítrio), publicado pela Tartaruga. O primeiro romance (discreta iniciação) chama-se OS PASSOS ENCOBERTOS e foi publicado pela Editora Figueirinhas, Porto. ANGOLA 61, crónica de guerra, teve dupla publicação, pela Contexto e Circulo de Leitores. Fora a ficção, fiz o meu trabalho de natureza científica, Belas Artes, Gulbenian, Universidade Aberta. Constam da distribuição aadémica. Na ficção, o último a sair foi A CULPA DE DEUS, pode er pedido à editora Tartaruga e em vários sítios deLis.boa, como a Sá da Costa e a Ler (C.Ourique)

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

ENSAIO SOBRE OS SINAIS DA VELHICE


Esta imagem corresponde a um trabalho de pintura não circunscrito à relação do «rato» com a superfície virtual, branca ou já colorida. O ensaio começa numa fotografia digital cujo tema envolvia panos de cozinha pendurados, papéis de embrulho sujos, uma parede degradada. Após algum tratamento dessa fotografia, ela mesma serviu de suporte a acções de pintura digital, numa via informática sucinta. (HP-fotoshop e Photoimpression).

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

OS SENTIDOS DO SENTIDO CROMÁTICO


Trata-se de um pincel virtual
que trabalha no ecrã,
risca, corta, pinta, rasura.
A estrutura cromática
não apaga o ruído
mas abafa o conjunto
e confere-lhe uma
homogeneidade lírica





Os contrastes mais violentos,
apesar de uma certa
monocromia de cinzas
e castanhos avinhados,
fingem aproximações
ao real, à sensação de
conflito, violência e estrondo,
indfinidamente no tempo




pintura digital de rocha de sousa