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quinta-feira, abril 24, 2008

BOMBA COMO UM SIMPLES SACO DE PRAIA


Num retorno à pintura sobre tela, com tintas acrílicas e os instrumentos convencionais, proponho aqui uma composição semi-abstracta, de decifração não realista, à qual adicionei o título «Bomba como um simples Saco de Praia», o que pode ser uma ironia sobre os perigos acuais, disfarçados pelas cores do consumismo e frequentemente accionados de forma brutal. A liberdade de viajar pelas formas geminadas é, contudo, o sinal de abertura de uma obra deste tipo. Num outro sentido, e de acordo com o que tem sido mostrado neste blog, a pintura aqui reproduzida mostra-se claramente aparentada às composições por completo realizadas em computador: tipo de configuração dada pelos elementos, construção das partes e sentido gráfico, as linhas implícitas complementando a imagem.

quarta-feira, abril 23, 2008

CONSTRUÇÃO E DESCONSTRUÇÃO DO VISÍVEL

Primeira fase organizativa com os materiais em bruto,
embora já nornalizados em colagem no campo.
A fase seguinte, assinalada no texto comleta-se como
se pode observar aqui, por opções estéticas do autor




Algumas pessoas têm-me procurado no sentido de partilhar experiências relativamente ao percurso entre fotografia e pintura, processo analógico e processo digital, o que é só pintura e o como se faz desta uma obra mista, híbrida, trabalhada por fases e, além do mais, se faz sentido, hoje, desenvolver a investigação nestes domínios.
Quando entrei poara uma Escola de Arte, e apesar das insuficiências que sempre se têm arrastado no nosso país, nesse e noutros domínios, dediquei-me a trabalhar para além dos chamadis conteúdos escolares, rudimentares e de base académica. É certo que a revolução das artes no século XX desmontou longas sedimentações técnico-culturais, os géneros, a estabilidade estrutural e formal dos diferentes procedimentos artísticos. O peso das obras, nas técnicas, na dimensão estética, na sua longevidade, dos meios e dos conteúdos, tudo isso se esboroou, dando passagem aos imperativos da invenção, da novidade pela novidade, em ordem a uma sistemática desconstrução das obras, da multipicidade de caminhos, cada um deles despojando-se até soluções breves, coisas surpreendentes mas quase desabitadas ou mesmo desérticas. Penso que, contra todos os processos massificantes e redutores da cultura em geral, vai sendo tempo de achar novas consolidações.
Se me dedico à resolução de pinturas sobre suportes convencionais, conotando as novas técnicas que aprendi, a investigação que realizei tem-me permitido retomar um sentido identidade, o perfil actual do meu testemunho pluridisciplinar. Nada disso é fácil. Mas é cada vez mais urgente.
As experiências aqui desenvolvidas (para lá da divulgação de obras mais tradicionais embora no plano da modernidade) têm beneficiado das próteses instrumentais circunscritas às máquinas fotográficas, analógicas e digitais, ao computador e os seus mais correntes programas de trabalhar ou transferir fotografias, incluindo a realização da forma plástica em si, simuladora dos meios antigos e no entanto restritos à substituição do condutor/rato, de um espaço modificável assim, à mão, modelando tudo sem mais recursos e modelos de representação realista.
O experimentalismo de investigação que isto propicia, envolve o questionamento da visão e, entre outros, o nosso relacionamento plástico com a realidade.
Repetindo um pouco trabalhos anteriores aqui publicados, esta nova proposta nasceu, não de uma fotografia de outra fotografia ou do visível, mas da montagem de elementos fotográficos, fragmentos pintados e riscados, colagens, entre anteriores desconstruções e construções. A matriz conseguida pode então ser fotografada e trabalhada em vários sentidos que modificam a sua natureza imediata, apontando essa espécie de anverso e reverso da própria percepção, soluções complementares, base de partida para outras aparências e outros conteúdos.
Aqui é mostrada, depois de uma primeira conjugação de materiais e de elementos estruturais, a a condução houve séries de trabalhos que conduziram a uma escolha (primeira imagem) e à sua reversibilidade expressiva (segunda imagem).

domingo, abril 20, 2008

AS NEGRAS E FUNDAS LIXEIRAS DO UNIVERSO


NGC.6334.Paul Nebule, em perda convulsiva


Hoje sonhei com um «buraco negro». É sem dúvida um dos fenómenos mais aterradores do Universo, capaz de engolir pequenos fragmentos de astros errantes, estrelas inteiras, porventura a própria galáxia onde se situa e ganha continuamente a maior e mais absurda das massas, como aconteceria, embora noutra escala, se comprimíssemos toda a literatura da história humana na mais recôndita pasta de um computador. Assim acontece, por mera aproximação imagística, com os milhões de sinais que enviamos para as caixas de reciclagem na Internet. O «buraco negro» do meu sonho aproximava-se mais das recentes fotografias desses fenómenos cósmicos acontecidos há milhares de anos luz do nosso ponto de observação (a Terra), mas, de acordo com o lado surreal da maior parte dos sonhos, visionando absorções aberrantes, ao mesmo tempo caricatas e trágicas. Na verdade, comecei por ver, num absoluto silêncio, a precipitação no «buraco negro» de planetas semelhantes à Terra, sistemas de estrelas, cometas, poeiras cósmicas com áreas incalculáveis, tudo a afunilar-se para um vórtice de ocultação. As imagens, na observação directa, pareciam paradas, dada a distância donde chegavam, mas eu sabia que as mais variadas coisas que povoam o espaço, e são sugadas por estes «orgãos» inexplicáveis, o fazem a velocidades incalculáveis, restos de luz, estrelas cadentes a fingir, matérias de natureza indecifrável, ou astros inteiros, plasmas, humanidades desconhecidas. Os sonhos começam por vezes assim, baseados nos dados da divulgação científica, expelindo depois, do fundo do inconsciente, sopros fantasmáticos que ultrapassam a lógica de muitas iniciações. Por isso, a certa altura, eu começei a reconhecer muitos objectos do nosso próprio parimónio a serem engolidos pelo monstro sem fim, palácios inteiros, barrocos, com gente a saltar das janelas. esbracejando por uma vida condenada, além de móveis, cacos de espelhos reflectindo o que nunca se projectou neles, multidões arrancadas às estradas e torres incendiadas, ramos de flores, jardins completos, com as suas árvores e os meninos ainda a pedalar as suas bicicletas. Os nossos próprios oceanos transformavam-se em rios inteiros, arrasando cidades colossais, Londres ou Nova Iorque, por exemplo, pelas cheias logo canalizadas, no espaço negro, para aquele «lugar» ou fundo de agulha em que tudo se miniaturizava e se perdia: casas e mobiliário, exércitos daqui e de além, os transatlânticos, os bombardeiros, os cemitérios, as catedrais, a Amazónia em chamas, fábricas e fumos, nuvens e glaciares, escriturários com óculos redondos, combóios de brincar e de atravessar continentes, enormes aviões de passageiros, pares de noivos, padres, armários como aquele que é manejado numa das mais aflitivas danças criadas por Pina Bausch, armários e cómodas e retratos dos avós, bíblias, o Vaticano todo, as caricaturas de Maomé, toda a beleza das obras de arte, os objectos que melhor caracterizavam a nossa civilização, desde a sanita de Duchamp à Guernica, de Picasso. Depois do homem dobrado sob o peso do armário, que se apagou como a chama de um fósforo soprado secamente, rolaram pedras, montanhas, Sísifo contrariado na sua condenação, arrastado (com a sua derradeira pedra) para o fundo do abismo, aliás entre livros, incluindo os livros proibidos e todos os index das religiões todas. E ainda consegui perceber a desconstrução de uma casa de madeira, um casal enrolado nos lençóis, as suas lembranças, filhos fotografados, filhos mortos no Vietnam e no Iraque, tudo em queda livre, o campo em volta, as ovelhas e os profetas, Senados em plena actividade, um pastor de nome Lucas, amigo de Caeiro, já sem bordão, nem adereços próprios da sua permanência nas altas pastagens de uma ilha. E a Lua, a própria lua, cinzenta e cravada de crateras, a lua dos mitos românticos, a lua dos poetas mal inspirados, um astro singelo e ordeiro que já vira eclipsar-se pelas leis gravitacionais e agora apagar-se, num estertor silencioso, para todo o sempre.

Quando acordei, sobressaltado, a boca seca, ocorreu-me olhar para as estantes repletas de livros que ocupavam uma parede inteira do quarto. Estava tudo nos seus lugares, excepto uma obra solta, caída no chão, e que logo corri a tomá-la nas mãos: era a conhecida obra de Huxley, «Admirável Mundo Novo».

sábado, abril 19, 2008

UMA ESCOLA MAL-AMADA, CONVENTUAL


Helena, um belo prelúdio de amor e as fantasias desfazendo-se no umbral da porta, acenos distraídos, um cheiro a bolos daqui a pouco. Comia o meu bolo de arroz em passeios sem nexo no corredor que dava passagem para o atelier de modelo vivo. Bebia as minhas próprias légrimas virtuais, humilhado pela mediania do exílio e pela cada vez mais clara pobreza, desactualizada, daquele curso -- Aldemiro como penosa imagem de tudo isso, professor amável e inútil, refém da sua única corda vocal e das bibliotecas e museus que lhe favoreciam certas descobertas, a par do trágico comportamento do século. Tombavam tectos de novo, as abóbadas tinham fissuras inquietantes, os canos vertiam fios de água para dentro das grossas paredes, havia humidade um pouco por toda a parte, vozes longe, na envolvência da realidade e da memória. Bolor. Bolores nos arquivos de belos desenhos arquitectónicos e cópias de ânforas do Mediterrâneo. Caves cheias de «Diários do Governo» e de ratos, num fedor que emergia de outras caves mais fundas, esgotos, labirintos da morte. Como no cinema. Mas sem a fúria e a vertigem de travellings impossíveis. Quem descesse a essas novas cavernas da civilização contemporânea, numa deriva de que jamais sairia, usando em todo o caso lanternas e máscaras, formaria, a curto razo, passos arrastados, brevíssimos, imersos na lama escorregadia ou nos vales mais profundos onde uma água barrenta e esverdeada acabaria por imobilizar o aventureiro, borbulhando em torno do se pescoço.

*
curto excerto do livro a sair em breve, de Rocha de Sousa, «Belas Artes e Segredos Conventuais»

terça-feira, abril 15, 2008

VARANDA


Sorte vã na varanda ao entardecer,
um caminho outrora.
Sorte de sombras
nas veredas do céu
ou nas encostas ainda salpicadas de luz,
portal, limite, lugar de partidas entretanto.
Passos raspam a terra,
camponeses retornando do alto da serra,
dedos na carcaça das roupas velhas, dedilhando,
tudo devagar, lasso, perto do fim.
Sorte de casa com varanda colonial,
agora amurada velha do olhar longe,
as horas e os sinos tocando,
embalada de brisas mornas,
sorte de aragem soprando milhões de insectos,
sorte de respirar num ranger afinal manso
em sons breves e surdos, ainda quentes,
outros sons rasgados, emergentes,
que o chão abriga, encobre, esconde
pela geografia feita de arestas cortantes
ou riscos coincidentes,
sorte de varanda afinal já cercada de ventos.
Sorte de velhos trabalhadores
e o som das enchadas deles.
Sorte dos passos, outrora,
entre dunas e juncos e convites a recolher
antes do assalto à morte
por forma a rever mitos e ritos da terra em volta,
ocupada, colonizada,
e cabeças inesperadamente expostas,
rolando, rolando,
degoladas e saltando no declive,
de olhos abertos, espantados e cegos.
Sorte de lugar escavado, sete palmos de terra
retirados à matriz da Natureza.
Hoje vou enterrar, assim,
o que resta dos meus mortos,
tantos e tão poucos no jardim queimado,
sorte de varanda ao entardecer,
cruzes toscas,
grades secas,
espera derradeira
pavorosamente inútil.
De sorte que,
amanhã,
ninguém ressuscitará.

VANDALIZADA A BANDEIRA DA GLOBALIZAÇÃO

foto/pintura/técnica mista: rocha de sousa

Dizem os tratadistas que uma pintura não vale pelo assunto, nem mesmo pelo tema. Os tratados perderam a sua hora e, porventura, a sua verdade. O título deste post pode dar um nome a esta pintura dita habitualmente abstracta. A semelhança entre as partes e a sua idêntica dinâmica podem sugerir uma «bandeira» após Jasper Johns, esventrada e sem que a sua geometria seja absoluta na identificação de tudo no todo. O quadro é, a despeito da sua natureza plástica e das acções que o transfiguraram, um corpo ainda normalizado. Mas a «vandalização» transformou o seu eventual aspecto regular e fez com que ressurgisse como uma nova organização de partes, individualizadas, ainda tocadas pela memória do todo, consevando semelhanças entre si na diferença que as nomeia caso a caso.

segunda-feira, abril 14, 2008

O VISÍVEL E A REVELAÇÃO DO INVISÍVEL


composição fotográfica, técnica mista, de rocha de sousa


Investiguei o real de um lado e do outro das suas aparências e um certo temor tomou conta de mim. Iniciei tudo por uma fotografia alheia, fui à janela registar a luz, folheei a Internet em busca das meninas desaparecidas, achei algumas delas com uma venda nos olhos, ligaduras nas mãos, mortas e abandonadas num sotão onde nem sequer os vagabundos pernoitam. Tudo era recente, afinal, o prédio cujo interior fotografei em sucessivas geminações, positivas e negativas, ou esse soalho cheio de terra e detritos, a luz de uma janela inventada a partir de outro sítio, a luz matinal e o negro nocturno conforme a magia dos meios ou das eventuais marcas da vida nas louças partidas, tudo a preto e branco, um corpo enfim, sinal de Deus sem dúvida. Um corpo de menina dormindo, morto ainda cedo, a cegueira escondida sob a venda electrónica das redes obscuras, transnacionais, que operam um novo vampirismo, obsceno enquanto reverso da civilização, enquanto as calotes polares entram inevitavelmente em colossal degelo.
Talvez este texto, apesar das suas pistas, não tenha sentido. Mas o que é que tem sentido se a própria beleza o não tem?

quarta-feira, abril 09, 2008

APARÊNCIA, VERDADE E MENTIRA DO OLHAR






O que vemos em múltiplas representações pictóricas só existe enquanto tal. Cada referente perde-se na inexistência ou declina para o lado invisível das coisas. Um sistema de visão muito diferente daquele que possuímos dar-nos-ia outras informações acerca do exterior, recebidas e trabalhadas em bases com outras premissas orgânicas. Lugares paisagísticos como os que são aflorados fotograficamente nas imagens aqui recolhidas e publicadas podem iludir-nos pela introsão de meios auxiliares de expressão, mas essa mentira não é nem maior nem menor do que aquela que as próprias provas nos sugerem: uma fixidez inexistente no real, uma só direcção por cada olhar, o porte lírico da sua escolha e seu tratamento, na inflexível redução do real à memória (porventura recente) da sua presença. A mobilidade visual é por vezes concentrada na suspensão do instante ou dilatada por especiais derivas, ténicas e estéticas, das possíveis análises cada vez mais prontas nos nossos dias.
Mas nenhum conhecimento desse tipo nos rouba a necessidade da viagem poética através das coisas, pela cor que desliza entre as horas pálidas e o declíneo dourado das tardes, pelo gosto (afinal realista) do registo a preto e branco, na consulta das diversas cartografias da cidade em volta, o Tejo a estretar-se, as colinas mais despojadas visitáveis do lado das ruínas e do lado onde as portas palacianas se abriram e revelaram um interior de meia luz, sereno, guardando a suposta perenidade do que terá sido, pela arte, a verdade acreditada de certos momentos na história dos diversos habitats sempre atravessado por gente dissemelhante no traje, fantasmas cujo desejo seria o da sobrevivência para lá de todos os entardeceres. Digo plavras assim, letras falantes, na exacta medida de que o universo destas humildes fotografias repintadas ou reimaginadas são apenas o cenário perdido de uma certa grandeza palaciana. O amarelo voltará à cor da cantaria, o negativo ao positivo, mas nenhuma dessas reiniciações ao limite canónico terá poderes para fazer existir o que não vejo, ruínas presentes e aparentes, os pássaros alcandorados nos ramos, piando de quando em quando, a Primavera substituindo o Inverno ou confundindo-se com ele, coisas velhas, restauros, o rosto do lugar desenhado a esfuminho ou gravado em alto contraste. Por dentro desta breve reflexão, olhando pedras manipuladas por exímios canteiros ou lascadas milhares de anos antes, de que forma poderemos reencontrar o tempo real em que nem sequer havia um processo humano?

domingo, abril 06, 2008

ENTRANHAS DUM CARRO MORTO NO ASFALTO

foto-pintura de rocha de sousa

OS AUTOMÓVEIS TAMBÉM SE ABATEM

Entre os bens civilizacionais, a carnificina decorrente dos desastres nas estradas e nas autoestradas é das realidades mais lamentáveis, pesadas e pungentes com que nos defrontamos no dia a dia. Fala-se em segurança. Fala-se em campanhas gigantescas, assumidas pela polícia da estrada nas datas festivas e outras importantes, mas os resultados parecem sempre débeis, na estatística e avaliadas as estratégias. A imagem não pretende ilustrar nada, a não ser que a morte também é bela, e o que resta deve ser tomado com alguma grandeza pela consciência ou no sentido dos valores poéticos de toda a realidade.