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quinta-feira, maio 30, 2013

QUAL A ORIGEM DO HOMEM E PARA ONDE VAI?


Como aconselhar alguém, quanto ao procedimento pós morte: Como? «Pelo fogo, pelo fogo, amigo!» Assim nos vemos, como as falsas bruxas que os falsos inquisidores faziam arder nas fogueiras do Terreiro do Paço. Só depois as enterravam.

foto Miguel Baganha


a ironia da história
Mas eu penso: vivi durante nove meses dentro de um líquido (amniótico) e nasci a berrar com a garganta queimada pelo oxigénio. Depois disso, quando já tinha seis anos, molhava-me na praia, andava na areia, andava na terra. Afinal sempre andei na terra e um pouco no ar, levado por aviões. Só a terra sabe quem sou, não o fogo, embora lhe reconheça, ao fogo, uma certa grandeza no impulso que deu aos assados, às luzes com óleo de bisontes, às tochas da Idade Média, às fogueiras de São João. Mesmo assim, ainda prefiro a água (fria) que lava e cria. É bonito ver as cerimónias, a bordo de grandes navios, quando mergulham um morto no oceano, preparado para descer às profundezas do Grande Enigma da Grande Escuridão das covas abissais. Mas nada como manter os olhos abertos e ver para compreender o mundo pela nossa própria cabeça.
Eu gosto da terra, mesmo para morrer e ficar dentro dela até me transformar em ossos. Mas o meu sonho maior, quase impossível, era ser lançado no espaço (estilo Laika) por forma a que saísse da órbita terrestre e ficasse «eternamente» a gravitar nos acasos da força dos astros. Esse é que seria o verdadeiro sarcófago para um homem. Para o único ser inteligente criador do nosso planeta — votado ao universo que nunca chegou a compreender.

Fogo, terra, Oceano. O espaço, o espaço cósmico, meu amigo. A Humanidade, viva ou morta devia começar já e emigrar para o espaço, antecipando o futuro.

terça-feira, maio 07, 2013

A BELEZA DO AMOR EMERGE DO SEU MISTÉRIO


O amor não é nada uma coisa simples e escorreita que se impõe e permanece por aí, na porta do corredor ou no jardim doméstico ou mesmo junto dos nossos fantasmas mais amigos e bondosos. Eu sou  uma pessoa de paixões e até de amores, apesar de não saber nada de filosofia, teoria dos comportamentos e outras «ciências» assim. Ter medo do amor ser misterioso (no mais profundo sentido da palavra) é mais ou menos branquear as suas tonalidades e diferenças caso a caso, uma vez que ele é plural, transforma-se de pessoa para pessoa, e cada pessoa é, só por si, uma entidade transcendente, inegavelmente misteriosa, nem sabe donde vem nem para onde vai. Não se pode levar o amor, que é uma mais valia da nossa personalidade, para o campo light ou par a falibilidade do simples e escorreito, como qualquer canção que logo fica no ouvido, insípida e inodora, binária no ritmo, pano branco sobre a relva da nossa improvável evidência.
O amor é um dos mais complexos sentimentos da vida humana na sua manifestação relacional e sob a circunstancialidade da sua própria dinâmica -- dinâmica vital cujo sentido é esquivo e cujo fim não se conhece. Essa vida exprime amor, exprime justamente o mistério de si mesma, não há nada de mais penoso ou sombrio nisso: ele é tão pulsante como o nosso coração e tão falível como um súbito nada que nos atira para a eterna perda da consciência.
Se ele não fosse assim, feito à nossa imagem e semelhança, era uma aparência menor e artesanal, simples, escorreito, ornamental e naturalmente sem mistério.
É bonito?
Claro que sim, quase sempre, como as pessoas que o vivem e se apoiam nele. Mas isso só me dá razão, mesmo se olharmos para a imensidade do planeta onde vivemos, para o universo que nos rodeia e onde tudo acontece sem sabermos porquê, para quê, até quando, misteriosamente belo, inexplicavelmente imenso, talvez infinito, a crescer a velocidades impensáveis.
O Universo é belo? 
Eu acho que sim, sobretudo porque é misterioso, poético, de imagens sem nome mas arrebatadoras. No Universo quase tudo é misterioso, dentro e fora do nosso conhecimento. O Homem é uma parte desse universo, caminha sobre as estrelas e ao contrário delas, evoluindo lentamente em busca (com o amor e outros sentimentos e saberes) do dia em que poderá excluir-se da sem razão que por vezes o rodeia em muito do que o ultrapassa.
O lado menos reico da arte é o seu lado transcendente, é o diálogo da forma com o conteúdo, do visível ou do invisível. A arte conhece a manifestação do mistério (não de um mistério infernal como o belo horrível): antes do mistério que é a suprema ideia de nós, a que vamos descobrindo ao retirar muitas das camadas que nos rodeiam e nos encobrem, pela ciência pela medicina, pela voz das ideias e das civilizações. O arqueólogo conhece o mistério dos restos que investiga: pode nunca resolver esse universo, mas vai abrindo caminho através dele, pela razão e pela utopia.
O lado misterioso do  mundo e de alguns sentimentos complexos não é necessariamente uma coisa má. Pode ter luz e cor, como muitas pessoas gostam. Gostar das cores integradas por uma velatura uniformizante também é um gosto defensável e a história da arte demonstra-o desde muito cedo.
Sintetizo e peço desculpa: o amor é uma entidade fora de nós, que esteja ali apenas, legível na maior banalidade das evidências, ainda que bonitas.