Páginas

quinta-feira, janeiro 10, 2013

CORTE O PÃO MAS NÃO MORRA. FMI OU MORTE?


O rei foi ferido no início da batalha por Portugal. Foi ferido, o sangue escorreu entre os encaixes da couraça mas o verde da sua marca de esperança  trancou a hemorragia. Quando, séculos e séculos depois, o rei já havia sido substituído por um amanuense duro e rigoroso, seminarista incompleto, muito tempo depois da gesta das navegações e dos Descobrimentos, que fora ponderada com razão e demora, com apoios múltiplos, acabada, enfim, no intervalo das indecisões, até um dia (no futuro) ter começado perto do risco o famoso Império que parecia ter acontecido eterno após todas essas aventuras. Um dia, no limite de uma longa espera, pela última metade do século XX e durante uma pesada guerra além-mar, o amanuense, morto, chegou a ser substituído por um professor universitário, mas os capitães travaram Lisboa, o Carmo, e o próprio presidente do Conselho. No Carmo, entre povo e balas contra as paredes, gritos de vitória no barulho do sonho. O presidente do Conselho foi então levado no interior de uma Chaimite, e os capitães (de Abril) meteram cravos por todos os lados, até no cano das espingardas, ali ao Chiado. Tal imagem andou por todo o mundo e Sartre veio visitar o país. Parecia uma glória europeia.
Mas não era. Formou-se a União Europeia e os nossos moderníssimos políticos, cheirando a vanguarda e um planeta central, lavaram as mãos da mais rápida descolonização de sempre, o que provocou dores imensas, roubos inauditos, sobretudo entre os «retornados», velhos e novos. Foi tudo depressa outra vez. Os homens do poder trataram de aderir à União, papando o euro e tudo, moeda de fascínio que caíu na nossa terra, sob condições draconianas: era preciso largar metade das pescas, reduzir a agricultura em mais de 60%, afundar a marinha mercante, formar quadros. O país nadava em euros e compras faustosas, dos iates às autoestradas, e a dívida foi aumentando. Nas terras do sul, os coitados produtores de laranjas tinham de calibrar tudo como mandava a Europa, perderam-se de todo, e a Espanha invadiu de novo Portugal com as sua laranjinhas medidas ao milímetro, entre outras coisas, enquanto os nossos patos-bravos desataram a encher tudo de casas, em conluio com os bancos e massas de crédito que levaram as populações, ensandecidas, de olhos arregalados, a comprar casa própria por centenas de milhares de euros. Estava o caldo entornado. E logo se entornou nos Estados Unidos da América, infectando o mundo: depois da queda do muro de Berlim, o capitalismo mostrava o seu lado aterrador, venal e contaminante. Os credores, que viviam soberanamente do pagamento dos juros (isso bastava), acharam que tal festa acabara: os mercados crisparam-se, pararam os créditos e exigiram, em pouco tempo, o pagamento de todas as dívidas -- biliões e biliões de euros. Ainda Portugal, já engasgado de auto-estradas, andava a negociar o início das obras do TGV para Madrid, calcule-se.
De súbito, os ricos da Europa e os senhores aristocratas do Norte, disseram o que tinham a dizer: a bancarrota é o fim, façam favor de chamar O FMI e pedirem planos de resgate. Toda a gente sabe o que aconteceu de seguida, o Sócrates andava a querer um PEC 4, o PSD babava-se pelo poder. A TROIKA foi chamada: passámos todos a viver de cortes nas despesas e nos salários, o governo da coligação PSD-CDS cumpria o duro memorando da TROIKA com sagacidade e cegueira, cada meta era atingida através de contracções brutais, o consumo baixou, as Empresas faliram aos milhares e milhares. Tapando buracos financeiros no meio da marcha forçada e falhando os objectivos de cada patamar, o Governo discursava sem capacidade mobilizadora nem boa comunicação.
E agora, que se atingira a segunda fase nas reformas e pensões, fase  de um sacrifício imenso, todos a pagarem as fraudes e os deslumbramentos dos maiores, um novo programa para 2013 começou a fumegar: o monstro comia um pouco por toda a parte: nos salários, no IRS, através do IVA, e apesar de tudo a derrocada era precária para tão longas dívidas e tão estranha gestão europeia, sobretudo centrada na Alemanha, por uma senhora vinda da RDA, cujo treino da norma e da austeridade parecia imbatível.
Começou 2013. E, sem que ninguém percebesse como, foi derramado sobre o país, julga-se que a pedido do próprio governo, um Relatório Proposta do FMI. Há quem diga que está muito bem feito e oferece pistas apropriadas. Há quem diga que se trata de um simples golpe final de uma conspiração do tamanho do Sol. Muitos portugueses emigraram no ano passado, embora haja sempre quem arranje uma horta na varanda e se ponha a comer relva, vendo futebol. Eu não emigro, aliás sou muito velho e tenho artroses. Já me cansei de pensar: o que eles querem, afinal, é simples, trata-se de aliviar o Estado de 60 a 100 mil funcionários, incluindo 50.000 professores, mantendo cortes substanciais nas reformas e nos rendimentos, além do aumento das taxas na Saúde, uma taxa de solidariedade (não sei para quem) e a queda do subsídio de desemprego, considerando ainda que a polícia é excessiva e custa mais do que as europeias, devendo o Hospital Militar integrar-se no SNS. De resto, o cuidado com a Educação parece um pouco pecaminoso, devendo por isso poupar-se 710 milhões de euros nesse sector. Isto é o que me lembro. Vou deixar-me abater, poucos anos me separam do fim. Mas gostaria de ajudar os meus compatriotas a troikar o troikado pensamento dos troikistas. Louçã, amigo meio reformado, achei o teu artigo tão manso, tão pouco imaginativo. Será que vais emigrar? Nós, outrora navegadores, já nem dominamos meio mar e abandonámos 6% de pessoas na agricultura. Talvez eu saiba como se pode recomeçar, mas fiquei de súbito muito cansado. Já ouvi três intervenções na TV, vozes de sábios, todos tratavam em oposições e bondades mútuas o fenómeno kafkiano que o FMI nos ofereceu. Ó Louçã, sabes que há um gajo que já visitou o Banco Central Europeu com um carro armadilhado, obrigando o presidente, num prazo curto, a emitir secretamente 50 triliões de euros, tendo fornecido uma lista de instâncias onde o dinheiro devia ser, no escuro, entregue e negociado para certas operações? Um espião da Alemanha soube do caso e disse no Banco que parassem tudo, pois a inflação não era coisa para germânicos. Tem graça, foi morto por um Palestiniano disfarçado que, por sua vez, sequestrou um político israelita. Suprema Ausência!

sábado, janeiro 05, 2013

ABOMINAVELMENTE OLHANDO O VISÍVEL E PINTANDO O INVISÍVEL

pintura digital de Rocha de Sousa

Abominavelmente parece um pouco excessivo, embora corresponda a um estado de olhar, de ver e de representar que começa e culmina ao longo de um caminho exaltante e muito perturbador. Ainda que haja quem se sinta em estado de júbilo ao pintar, vendo ou mesmo no limite da cegueira. É que não vemos nada do que olhamos e não vemos nada do que decisivamente constitui a realidade. Paul Klee apontou-se o véu de um exemplo. A Arte não reproduz o real, torna-o visível. Parece assim que, em boa verdade, olhar pertence  às funcionalidades do viver,  incluindo ver e pintar, mas que a maior consistência das coisas se situa para além das aparências. E que a criatividade é um processo de descoberta para além do sentir corrente, abre-se à memória, ao imaginário, às linguagens do ser, passando mesmo (talvez sobretudo) pelo domínio mais encoberto dos sonhos, misturas em certos casos dantescas da vulgar paisagem e de colossais ou inquietantes visões que o real nunca nos fornece em termos de quotidiano. Por vezes, a Natureza rebela-se: são os dilúvios e as catástrofes mais extensas que arrasam populações inteiras. Nada que o Homem, em grupos armados, não seja capaz de produzir.
A luta que o artista trava perante o real e perante ele mesmo, isso é um abominável e fascinante destino civilizacional que antecipa vidas estranhas, inimagináveis, revoluções orgânicas e, com alguma frequência, a anunciação da morte. Chirico pintou uma praça relida em Freud, onde as sombras são ameaçadoras mas contra as quais, inocente e feliz, uma menina empurra sobre as pedras, em equilíbrio, um arco de ferro. Ela vive e a pintura mistura os dois pólos da existência. Mas o medo está em qualquer parte, pressente-se nos próprios instantes do contentamento. Por outro lado, ao olharmos os auto-retratos sucessivos de Rembrandt, nos quais há um início faustoso, o último de todos eles tem a grandeza de um fim, testemunho da superioridade do Homem na irrecusável anunciação  do inexplicável apagamento.
Na pintura: imagem da vida.
Igualmente: imagem da morte

sexta-feira, janeiro 04, 2013

DEPOIS DO DESAPARECIMENTO DA HUMANIDADE



Num dos séculos do segundo milénio, durante dois anos, todo o equipamento de energia nuclear no mundo começou a explodir, arrasando com grandes partes do planeta e a substância estrutural das sociedades humanas. Fugas em massa, desesperadas, não evitaram o horror da contaminação radioactiva. Em cerca de dez anos não havia rasto da humanidade, senão as suas cidades e tóxicas formas de exploração do  meios de energia mais perigosos. A fauna, em zonas remotas menos poluídas, resistiu ao nível de diversas espécies, como parte da flora, a qual, cem anos depois, já começara uma importante recuperação, absorvendo os meios em ruínas da civilização humana.
Em baixo, algumas antecipações, sem arranjo cronológico, de um filme que escalpelizou a evolução do fenómeno até ao deserto, por exemplo, que pulverizou e cobriu toda a cidade maníaco-festiva de Las Vegas.

 explosões quase em cadeia das centrais atómicas









Berlim e Londres, 200 anos depois, a parasitagem floral de Paris e um aspecto de Londres.
                                                                                       



Cerca de 300 anos mais tarde, este é um dos aspectos da cidade de Nova Iorque, com derrocada do Empire State Building, numa geral maceração do antiga metrópole.                   
 

Apesar desta paisagem apocalíptica que será reduzida a uma floresta monstruosa e desertos, o fundo dos mares encheu-se de mais destroços dos que já lá existiam. Os peixes que resistiram foram multiplicando-se por espécies e no tamanho. À superfície, dos insectos aos mamíferos de pequeno, médio e grande porte, tudo se reequilibrou sem os distúrbios dizimantes da tecnologia humana.
 


Tendo resistido mais do que se supunha, a Estátua da Liberdade, em Nova Iorque, acabou por se desmoronar, acabando o suporte apenas erguendo hastes e meio submerso na flora em redor.
 

 A Liberdade degolada


Um aspecto de Londres a meio do período de
degradação que iria chegar aos 900 anos. 
 

 


                              
                           As barragens não duraram para sempre. A Natureza                                           recuperou  a sua dimensão  e as barragens romperam.                                      
      
 

 Os desertos acabaram por delimitar grandes zonas   dantes frondosas e usadas para produções diversas.

Nova Iorque
300 anos depois