Ao inserir neste ensaio a problemática da visão, e tendo em conta os estudos de Arnheim sobre a cor, pretendo apenas levantar mais uma vez a ideia de que a nossa capacidade perceptiva, no campo visual, é muito contingente. Circunscreve-se a uma mecânica de sensibilidade às radiações luminosas, as quais passam por vários tipos de células da retina, sofrendo o impulso de trajecto que vai accionar uma parte específica do cérebro, produzindo os fenómenos sensoriais neste domínio e a percepção das formas do visível. A atitude de fitar fixamente duas pinturas semelhantes, como os apresentadas aqui, garante-nos uma recepção de formas e cores cuja ordem parece ter sido distorcida, alterada, imposta pelos princípios da presentação, aliás coordenados num juizo concreto mas mutável. A verdade, porém, é que esse juizo é muio selectivo e dependente de um lago espectro de circunstâncias, bem como dos meios operativos ou outros. A mobilidade de abertura ou de aproximação, a duas ou três dimensões, poderá implicar efeitos de negação do ponto de partida: olhar de muito perto uma obra do tipo das apresentadas, mas de grande escala, pode levar-nos a ver apenas duas formas e duas cores ou, até, uma única cor. A mobilidade reversível, atrás, fará com que percamos o reconhecimento desta enovelada cartografia, entrará para um espaço mínimo, residual, comprometendo as relações espaciais desfeitas quando comparamos o resultado da operação. Este exemplo não passa de uma operação elementar: desde a avaliação das duas estruturas cromáticas às propridades da realidade enquanto nos movemos num espaço a três dimensões e isso basta, consoante a nossa deslocação, para provocar o aparecimento e desaparecimento de formas, das suas cores, numa substituição por outras áreas do espaço, alteração das sobreposições, ângulos determinantes da mudança das figuras e da luz. De cada vez que nos organizamos em relação a um modelo, imóveis, a imagem mantém-se fixa: o olhar parece fixo, apertado contra o campo escolhido. Uma laranja cortada ao meio é vista por nós como inteira, se o interior estiver voltado para trás, com rigor geométrico. Três passos para a direita, com rotação da cabeça para a esquerda, abrirá uma outra imagem e uma outra consciência do que se está a indagar. Esta relatividade do olhar e do ver podem alterar substancialmente o julgamento de objectos que parecem mudar de sentido consoante as condições em que os observamos. Nos quadros apresentados, a estrutura cromática é a mesma, mas a alteração da sua colocação e configuração parece opor os arranjos compositivos. Ao mover-se, o real sofre efeitos substanciais. Um rosto que passe por nós a grande velocidade não nos confere dados de percepção para reconhecimento: é como se, dessa maneira, a parcentagem daquele reconheciento baixasse drasticamente, impedindo a captação descriminada do modelo (digamos ideal) e a verdadeira penetração o sentido do real. O mundo é, em si, muito diferente daquele que percepcionamos.
sábado, outubro 27, 2007
domingo, outubro 21, 2007
DETALHES DE TAPEÇARIAS E FOLHAS ÀS CINCO DA TARDE
fotos de rocha de sousa
Por vezes, ao cabo de horas e horas de trabalho, o cansaço toma conta do nosso corpo e os olhos ardem no limite de todas as suas aplicações. Há casos de erros e recomeços, desesperadamente quando o objecto em formação estava quase concluído. Lembro-me de visitar em Portalegre, no auge da sua actividade, a Manufactura de Tapeçarias. O ponto português é uma invenção deste lugar e permite, nó a nó, a realização de grandes tapeçarias, como as que ali foram tecidas para uma catedral na Austrália e as quatro peças, de doze metros de comprimento cada uma, para a sala de honra da Fundação Calouste Gulbenkian. Esta tecelagem, em camadas de nós sobre camadas, vista de perto e em plena laboração, mostra a velocidade das mãos das tecedeiras, umas ao lado das outras, e a desfocagem quase completa da ponta dos dedos enrolando e esticando o cordão de vários fios coloridos. O cansaço vem depois, horas e horas depois, sob o efeito do grande pano a subir aos milhares de pontos por dis e por operária. Resta dizer que, todo o património técnico e humano de grande qualidade, brilha ainda em edifícios públicos e transmite ao espaço uma cintilação semelhante à destas plantas, vivendo de contrastes fortes e belos contornos. Indelizmente, apesar dissso, a Manufactura já quase não existe, desfazendo-se através de gestões insanas.
terça-feira, outubro 16, 2007
A TEMPESTADE
quinta-feira, outubro 04, 2007
A RENDIÇÃO DAS ALMAS
ALEGRIA BREVE
«Alegria Breve» ocorre de um livro de Vergílio Ferreira
quarta-feira, outubro 03, 2007
SINOPSE DE «LÍRICA DO DESASSOSSEGO»
Nem só as máquinas do Apocalipse se aproximam para nos destruir. Há milhares e milhares de anos que nos debatemos com as nossas memórias e a metamorfose das cordas colando-se ao corpo e às mãos, simulando a morte pelos répteis ou o suicídio perante um futuro rasgado.
terça-feira, outubro 02, 2007
A PREPARAÇÃO DE TODOS OS SONOS
fotos de rocha de sousa
Esta camisola foi toda feita pela minha avó. Visto-a no Inverno. Só não me conformo com o facto de ela ter morrido dois dias antes daquele minúsculo prazo de arranjo do relógio. Não sei onde ela esteve nem se ficou muito doente. Fui a correr à oficina do senhor José e gritei-lhe que a minha avó tinha morrido, embora estivesse de boa saúde. Ele olhou-me fixamente, com os olhos brilhantes e os dedos afagando devagar as barbas. «Tens que ter paciência, menino, a tua avó sempre gostará de ti e tomará conta dos teus dias». E eu: Para que isso aconteça é preciso que o senhor arranje urgentemente o relógio». «Porquê?» «Porque ela me disse. Se o relógio estiver parado muito tempo, a avó acabará mesmo por morrer, longe, naquela terra para onde a levaram.» «A tua avó já morreu, não volta a morrer, mas Deus chamou-a para ela ajudar melhor a família» «Não, senhor José, se ela morrer agora, por causa do relógio parado, vai morrer mesmo, vai morrer para sempre».