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sábado, abril 28, 2007

ENSAIO SOBRE UMA TORRE DESTROÇADA




fotografias e pesquisa de Rocha de Sousa
Talvez este pequeno ensaio fotográfico sobre um conjunto de destroços de uma torre de para cabos de alta tensão pareça a alguns visitantes um jogo meio de engenharia, pouco estimulante, mesmo se vos falarmos de uma arte próxima desta desconstrução baseada no que já foram construções lógicas, proporcionais à função: e essa outra arte de que poderemos efectivamente falar é a arquitectura. Muitos de nós daríamos prioridade à escultura, dada a semelhança entre as longarinas de metal, o ar de instalação aleatória, a sua inserção ocasional na paisagem. A verdade é que também isso se aproxima de conceitos arquitectónicos, aqui expressos nos elementos diferentes e semelhantes disponíveis para um trabalho criador, reconstrutivo, capaz de se harmonizar com a forma humana e os seus estados de sobrevivência. Por outro lado, não nos podemos esquecer que a fotografia se relaciona desde há muito com a pintura e é de pintura que podemos também falar segundo diversas perspectivas de aproximação aos ferros, hastes musicalmente dispostas no espaço, à partida, em baixo, com uso muito denso da cor, quer para distinguir o organismo da terra dos elementos imaginados por uma certa tecnologia e forma de pensamento, quer para indiciar o mundo moderno, os seus desastres e as suas ludicidades. Tanto a pintura como a escultura dispõem aqui de um vasto leque de elementos de construção bi e tridimensional, quer numa linha tradicional, até naturalista, quer na acentuação dos contrastes e da inovação cromática relativamente à neutralidade inicial das estruturas.

terça-feira, abril 24, 2007

PINTURAS REVISITADAS | anos 90


O HOMEM INVISÍVEL
Este série, colada à
dos «personagens ilustrados»,
parece ainda relacionada
com a chamada
«pintura ilustrativa».
É uma tese pouco defensável,
pois a representação
de coisas reconhecíveis
não as faz conexas.
O maneqim de alfaiate
está despido
e as roupas deslizam
para o imponderável.
Magritte podia ser
chamado a depor





Do alfaiate
e das fardas que ele
também tenha cortado,
o espírito da
representação implica
a memória da guerra
e dos fatos de ligaduras.
Mas a roupa ganha
anatomia humana
e sai de cena
sem contar
toda a história.
Fica a pintura.

PINTURAS REVISITADAS | anos 70 a 90

O DESEJO E A PRECE

Anos 70 e ainda a procura indecisa de novos caminhos para a representação. Esta ansiedade, assim vivida, já fora ultrapassada em parte por muitos expedientes, todos eles forçando apagar depressa a representação pictórica da realidade e, com ela, a própria realidade. Áquela pintura chamavam os críticos «pintura ilustrativa» e faziam-no, com despudor, como se a mediocridade de certas obras viesse daquela característica. Maurice Denis tentou clarificar um pouco esta questão dizendo que, antes de qualquer outra, «a pintura era uma superfície coberta de cores dispostas segundo uma determinada ordem.» Mas esta ideia não acabava com a pintura representativa, pois o antes referia-se apenas à ordem das cores, não à posterior existência de figuração. E, além do mais, muitos autores acreditavam no valor da desordem, enquanto outros, de formação teórica como Paul Klee, alihavam pela frase deste ao explicar que «a arte não reproduz o real, torna-o visível». A evolução do pensamento plástico, anos mais tarde, haveria de de estabelecer como aceitável que a qualidade ilustrativa de uma pintura não obrigava à sua denegação, pois o assunto não define o quadro mesmo que seja transformado em tema dele. O que importa é o critério do modo de formar e portanto a excelência da forma plástica.

domingo, abril 22, 2007

AS APRENDIZAGENS DA CÂMARA CLARA

O que poderia parecer uma pintura abstracta, readquire o nosso reconhecimento pela cor e pela configuração das flores, nomedamente

O realismo desta fotografia a preto-e-branco poderá resolver-se perceptualmente através do reconhecimento : as terras. as madeiras, algum pormenor de vida vegetal. Isso só não acontece tanto assim porque o enquadramento abstractizou as matérias e as formas, sugerindo uma pintura abstracta fotografada neste tipo de registo.















A fotografia a preto-e-branco conserva ainda toda a sua reserva de realismo e por vezes sugere melhor, psicologicamente, uma certa densidade cromática do que a cor local. No caso aqui presente, em dois breves apontamentos, essa qualidade desfaz-se em função do fim expressivo: a sobreexposição confere à luz uma espécie de condição temática e até, sobretudo nos recursos da solarização, a aparência do desenho (como se pode observar aqui).


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recolhas e tratamento de Rocha de Sousa

OCASO, MANHÃ, LUZ, COR

ocaso
manhã

luz


cor

DUAS PAISAGENS NUM SÓ REGISTO


fotos de Rocha de Sousa
Tentaremos ensaiar aqui, na representação fotográfica, tanto os as aspectos do olhar e do ver como a relação diferença semelhança. E, como habitualmente, abordar as questões da cor e da luz, entre outras, através dos mais elementares efeitos do trabalho de edição. Estas fotografias foram obtidas na zona do rio Odelouca, Algarve

quinta-feira, abril 19, 2007

AS CEGONHAS VIERAM E FICARAM




fotos de Rocha de Sousa
O clima deste planeta em que vivemos e ajudamos a destruir está a mudar mais depressa do que se pensava.As cegonhas, aves migratórias que voltavam ao nosso território e partiam sasonalmente para melhores temperaturas, não migraram desta vez. Estão por todo o Algarve. Em Silves, povoam todas as chaminés desactivadas e torres de edifícios antigos.

quarta-feira, abril 18, 2007

RESTOS DO VELHO PANO DE BOCA

foto Rocha de Sousa

Foi há meses concluído o restauro do antigo Teatro Mascarenhas Gregório, em Silves, espaço preciso, memória de novo viva das companhias que vinham de Lisboa representar nesta sala, a qual acabou por ser utilizada para vários fins, nomeadamente para o cinema. O pano de boca era uma cortina pintada pelo mestre Samora Barros, homem que dedicou uma vida ao ensino, à pintura e (esporadicamente) ao teatro, onde se revelou um encenador de grande intuição plástica, de acordo com os tempos e a direcção dos personagens no palco. Esta fotografia é apenas memória de uma simulação intercalar, enquanto a sala esteve ocupada pela Filarmónica, e que se degradou até ao último préstimo, no tempo em que também aqui funcionou uma companhia local de teatro amador.A história dos lugares e das terras faz-se igualmente com estes dados, entre sonhos e transformações irrecusáveis

terça-feira, abril 17, 2007

A LENTA MORTE DO RIO DA MINHA TERRA
















fotos de Rocha de Sousa


O rio que contorna a cidade onde nasci, no sul, começa a dar sinais de extinção, numa lenta morte, cada vez mais seco, e parece anunciar desse jeito certos desastres ambientais para daqui a algumas dezenas ou centenas de séculos. Por essa altura, ou depois, já terá acontecido o limiar do desaparecimento da maior parte das formas de vida que nos têm sido contemporâneas. É talvez o sinal da passagem de muitas das forças mortais que o homem tem ajudado a desencadear e que poderão iniciar desertificações impensáveis, contra o sonho de um mundo pgrogressivamente mais harmonioso, suspenso do equilíbrio dos haveres e de um projecto de civilização com objectivos menos expansionistas, mais territorial do que urbana, mais conunitária do que massificada.
Os pequenos barcos de modestos pescadores, num rio sempre cheio e fecundo, outrora, são hoje embarcações rasuradas, de recreio, âncoras cravadas na lama ou nas velhas argolas do cais. A perda de salubridade acompanha este processo, é cada vez maior e já não há meninos tomando banho sob os arcos da ponte medieval que serviu, durante séculos, o trato da passagem dos vendedores de diversos produtos arrancados à Natureza, vegetais, frutos, alimentos produzidos em fornos, além de animais, sementes, mezinhas, povo camponês sempre atrás de carroças pesadas e no ritmo de canções feitas pelo aviso lento dos passos.
Acabaram os barcos à vela, velas quadradas, ou as barcaças que recolhiam toneladas de fardos de cortiça em aparas, o peixe chegando ao cais de pedra e colunas de ferro. Tudo o que muda, pela vontade dos deuses e dos homens, vem com o rótulo de crescimento e desenvolvimento. Mas o homem tem feito crescer o mundo em redor, mascarado de progresso, enquanto o desenvolvimento não passa de uma miragem. Qualquer lâmina que fira o verniz do progresso, solta um pús que é a matéria perene da barbárie. Vejo entretanto as pedras roladas do rio em vias de secar a montante, ilusoriamente ressuscitado nas invernias, e as pedras roladas rolando a cada maré, rolando em maior quantidade e devagar, para sul e para ocidente. Apercebendo-se do aquecimento dos ares, e de outras condições de vida que lhes são específicas, as cegonhas não migraram este ano: têm agora o seu habitat permanente nas altas chaminés das fábricas corticeiras abandonadas há décadas. As gaivotas voam suavemente sobre as nossas cabeças, na labuta equilibrada da procriação e da quantidade certa dos haveres. Os homens deixaram de perceber esta forma de estar no mundo, entre terras onduladas, territórios justamente enriquecidos, ligando as gentes através dos rios e dos oceanos.

domingo, abril 15, 2007

DO SOL E DA CIDADE ANTIGAMENTE

fotografias de Rocha de Sousa

Digamos que acabo de chegar à cidade vindo de ocidente:
uma das primeiras construções com que me deparo tem talvez cem anos apenas e servia de passagem para um «lagar» onde se fazia a transformação definitiva do azeite. Chego ao fim da tarde, com esta luz dourada, dificilmente traduzível por meios básicos de registo. Do outro lado, a luz comporta uma temperatura idêntica, atravessando a arquitectura da passagem. Depois divago pelas ruas da baixa, não estou no burgo histórico propriamente dito, e vou, rua após rua, procurando, em arco- para-a-esquerda, o caminho que me levará a casa. Este contraste pouco tempo depois, mostra-nos indirectamente a luz quente na cor mas suave enquanto entardecer.

sexta-feira, abril 13, 2007

ALGARVE: UNS DIAS AQUI SOPRANDO NUVENS




Vim até ao Algarve, onde posso acolher-me à velha casa onde viveram os meus pais, e aspirar a atmosfera limpa desta pequena cidade do interior (Silves), lugar da história, do rio Arade e dos pomares, antiga capital da indústria transformadora da cortiça. Como cidadão do mundo, refém das rotinas que nos determinam, trouxe a internet e posso, como habitualmente, receber contactos e as vozes que por vezes amavelmente me visitam. O céu ainda estava assim quando cheguei, mas hoje parece ter começado o verão. Bons dias para todos.

domingo, abril 01, 2007

UMA SEDE DE OLHAR E VER, PARA CRIAR





                                     fotografias de Rocha de Sousa

Estou cansado. Sento-me perto da mesa redonda, manchada pelo tempo. A sede que sinto é mais uma sede de olhar do que sede de água. Aparentemente longe do alcance da minha mão está um copo que parece ter um resto de água, é para isso que serve um copo, ou quase. O problema, contudo, não consiste em estender os dedos, apanhando o copo. O problema refere-se à minha sede de ver, à minha vontade de partir ao encontro das coisas, para as compreender, apropriando-me delas. Incapaz de dormir recostado sobre o braço flectido, rosto assim reclinado, permaneço agora nessa pose e só os olhos deslizam de um lado para o outro à procura da verdade que se esconde atrás da transparência ou dentro dela. Encontro a imagem de uns óculos, que usei há pouco, e tudo se distorce, tudo se desvanece ou escorre na retina, ver também acontece pela lassidão dos músculos orbitais ou através das lágrimas. A imagem muda, transforma-se, consoante a focagem do cristalino ou o seu desinteresse, a sua distenção. Puxei o jornal, que estava um pouco distante, à direita, e o jornal rasgou-se, a luz aumentou, apenas posso descortinar restos de uma fotografia e a mutilação de um texto. Podia usar a caneta e sublinhar para amanhã o que me cansa fixar hoje, embore continue refém deste olhar vítreo, que bebe a água do copo, fitando-a até afastar ou aproximar a espessura da percepção: há um ponto em que fica tudo muito nítido mas não é por isso que acedo ao olhar pleno, que pode desdobrar-se em mobilidade e revelar-me o que acontece do outro lado da mesa, dentro do jornal, na própra transparência da água ou da água contida por outra espécie de água, a do vidro, fino redondo, virtual. Ver é também compreender. Ver é também julgar, na subtil distinção e coordenação dos estímulos. Portanto estou a ver, movendo a consciência e fazendo apelo ao envolvimento das emoções e da razão: sem esse entrelace que me desperta a mente, entre procuras desejáveis, ficarei apenas entregue à deriva do olhar. Lá estão os óculos, maís nítidos, menos desfocados, prontos a me facilitarem o acto de ver. De súbito, quando menos espero, tomba uma flor ao lado do corpo, um amarelo vibrante, um choque emocional que agita a minha deriva visual, destruindo uma imagem e construindo outra, ou melhor: fazendo com que eu construa outra. A sede de olhar corresponde ao cansaço existencial e este abranda enquanto o braço desliza sobre a mesa e a capacidade de ver se expande em torno do sentido destas breves coisas próximas. E se mais o olho mais contacto com o cérebro, fornecendo consistência ao ver; mais eu descubro a flor decepada de um contexto para vir habitar este novo contexto. A imagem resolve-se então numa simples palavra: lírio.