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sábado, dezembro 15, 2012

CIRURGIAS DOS DESENHOS IMPONDERÁVEIS

Pode saber-se, debaixo para cima, após a cena do «rei morto», que as novas aparências gráficas, soma de registos electrónicos, em cima, não traduzem, na qualidade corrente da percepção, o claro efeito dos apartamentos orgânicos, miniaturais, a partir dos quais os cientistas puderam formar juízos porventura aproximados das lesões orgânicas verificadas no corpo de Sua Majestade, finalmente não raros nem coroados nem benzidos por nenhuma sagração. A parte de um olho, aberta sobre o quadro esquerdo, teria ainda registado imagens nos últimos segundos de vida. Provisoriamente, na altura da morte, com a animação curta do coração, segundo o estado conservado do aparelho auditivo em conexão com o cérebro, o rei terá ouvido dois batimentos cardíacos e o apito da morte, como terá, em hipótese mais rara, percepcionado o braço do médico premindo o seu peito, a cabeça logo tombada, um fio azul, horizontal, no espaço negro  e só negro depois, e só nada.
A vida pode ser ilustrada por processos semelhantes; a vida enquanto vida plena, vários ecrãs mostrando o ritmo cardíaco, em vários traçados, o espectro óptico, a rede vascular palpitando numa plenitude de circulação sanguínea, os patamares superiores e inferiores da acção multipolar, e assim por diante com a colheita de sangue e a avaliação da sua estrutura e dos ecos renais, do fígado, do pâncreas, dos níveis químicos, se estáveis, para que tudo decorra tal como parece ter-se desenvolvido a partir de quaisquer materiais básicos, incluindo a própria água, num bizarro de problemas que suscitaram outros e outros, complexificando tudo, um montão de formas e aparentes próteses, tudo em ordem à ordem multirrelacional do cérebro.
O Homem, apesar de tudo, nunca cresceu para além da sua formatação mecânica e psicológica, especulativa. Chegou à concepção de valores identitários e de somas de espécie ou de grupo. Mas, desde muito cedo, as etnias estilhaçaram aquelas maravilhas que viam e acertavam num ganso a cem metros. Mesmo quando chegaram ao séculos XX e ergueram cidades inúteis, em tamanho e custos a longo prazo, já as guerras tecnológicas haviam começado um pouco por toda a parte, afundando-se em dinheiro, e assimetrias civilizacionais absurdas. O futuro não parece melhor e os chineses são mais que muitos. Talvez aconteça, antes do fim do universo e antes da morte do sistema solar, uma catástrofe planetária, gerada pelos tumores que fazem desabar, no interior dos corpos e na Natureza, os ilusórios equilíbrios sistémicos. Se sobreviverem os membros de uma família equilibrada haverá tempo para sustentar, ao fim de um século, uma nova colónia humana no velho planeta terra, a caminhar para desertificações semelhantes às de Marte. Após a catástrofe na Terra, autopsiados os génios, aparelhos automáticos continuavam a enviar sinais apavorantes da  realidade que desaparecera em Marte. Mas os humanos restantes já não dominavam essa tecnologia e os dados monitorizados no cosmos eram tão absurdos como outrora as pirâmides do Egipto.