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sexta-feira, janeiro 20, 2012

DERIVA ENTRE CARTAZES URBANOS, DESDE UM CERTO RUÍDO A ALGUMA PROVA MINIMALISTA







Se começarmos a olhar vulgares cartazes do meio urbano (em cima) sabemos logo que tais obras são comunicação corrente de coisas ou factos acessíveis, em geral, ao nosso reconhecimento. Se mudarmos do olhar para um nível de percepção mais indagador, explorando o ver em consonância com o nosso entendimento da cor e da forma (factores já experimentados através da pintura) a paisagem das formas pode começar a ser trabalhada por norma em sucessivos registos, cortes, reenquadramentos. Esta deriva nesse sentido, de cima para baixo, mostra-nos, a começar, um fragmento de cartaz rasgado sem grande fervor, reenquadrado e aproveitado nas suas maiores potencialidades plásticas, inclusive após uma rotação de 90º. É um começo que abre janelas operativas que nos permitem, pela contracção ou expansão, obter surpreendentes composições, nas quais é possível instaurar mais ou menos informação, insistir no efeito do ruído, tornar o «quadro» menos prolixo, em aproximação a um certo minimalismo de significação em parte guardada, em parte revelada.

sábado, janeiro 07, 2012

MORREU O PINTOR JOSÉ CÂNDIDO, HOMENAGEM

pintor e designer José Cândido

Faleceu hoje, a 7 de JAN de 2012, o pintor e designer José Cãndido, figura de importante perfil nas artes plásticas e no design de comunicação, área em que desenvolveu um trabalho notável, em simbiose com o desenho e a fotografia, não apenas na prática profissional como no âmbito pedagógico, ao assumir a cadeira nuclear da licenciatura em design na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. José Cândido era sobretudo um operador de grande domínio gráfico e de clara inclinação, além da pintura, para o domínio que ajudou a implantar no nosso país (colaborando na reforma artística de 76/79) e onde desenvolveu soluções inovadoras. Combateu, com Rogério Ribeiro, Luis Filipe de Abreu e o autor deste blogue, entre outros, pelo desenvolvimento e actualização do Ensino Superior Artístico, em particular na área do design de comunicação e na sua implementação em Portugal partindo da base «nula» em que nos encontrávamos, mesmo depois do 25 de Abril e contra sucessivos governos em que, nos próprios departamentos do Ministério da Educação, se desconhecia tudo sobre esta disciplina do conhecimento e se combatia mesmo a formação a nível superior de designers, como já acontecera há muito por toda a Europa.




José Cândido abriu, com Rogério Ribeiro, o caminho a um Instituto do Design no país e procurou estudar as questões ligadas ao design e a diversos níveis de formação ou de relação técnica, científica e artística com problemáticas afins. Foi das primeiras pessoas a denunciar os preconceitos que as próprias Escolas de Arte cultivavam, na esteira de uma caduca concepção sobre a natureza da arte, alimentada até longe no século XX (entre nós) e só desfeita com alguns institutos privados e a criação de Faculdades de Belas Artes em Universidades de Lisboa e do Porto, nas quais se articularam licenciaturas do domínio das artes plásticas com as ligadas às disciplinas de índole artístico e científico do design.
Interrogado por Victor de Almeida acerca destas questões considerou fecunda a relação do design com a pintura e a escultura, sobretudo pela metodologia. «O design - disse - tem uma filosofia muito própria. Aliás a minha definição de design passa por ser ele como que a filosofia no projecto. Vem da tomada de consciência até ao utilizador». A consciência do espaço e dos seus objectos. A sabedoria de os projectar adequadamente e de os utilizar de forma idêntica, com propriedade.
José Cândido desenvolveu mais as suas capacidades gráficas, pela escrita do desenho e pelo projecto de design do que o trabalho da sua formação inicial, na pintura. Mas a a sua pintura, ultimamente, tinha vindo a crescer, a renascer, associando em si diversos modos de formar, à luz da cultura contemporânea.
Além do mais, José Cândido era um espírito aberto e tolerante, colega leal e pessoa serena, de bom humor. Nunca me senti iludido pela sua amizade.

terça-feira, janeiro 03, 2012

EM MEMÓRIA DA NATUREZA MORTA ENTRETANTO

pintura digital de rocha de sousa

A natureza morta que entretanto se cultiva é a que lembra muitas das grandes mutações verificadas no século XX ao nível dos meios de exprimir e dos géneros revisitados a partir das épocas passadas. A imagem aqui reproduzida, referente a uma pintura digital de pequenas dimensões, inscreve-se na linha estética da modernidade e no sentido global da arte entretanto produzida, tendo como referente objectos e composição das naturezas mortas que evoluíram pelo século XX. Não se trata de imitar frutos e objectos, entre jogos compositivos sobre uma mesa ornamentada por outros elementos, toalhas, vidros, artefactos de certo quotidiano. Na linha da mobilidade visual em parte instaurada com o cubismo, os artistas daquele tempo revolucionaram as formas tradicionais da pintura sem as negar por completo e criaram novos pontos de vista para a dinâmica das composições. Os tampos das mesas, na natureza morta comum, sofreram diversos tipos de rebatimento, tudo se reconfigurava em função de um olhar movente e até à mistura, no mesmo quadro, de aspectos do visível captados de diferentes olhares.
Aqui há mais do que um rebatimento, tendo em vista projecções no plano horizontal e viragens parciais ou completas de objectos que tanto se podem decifrar em autonomia como assentes no suporte, vistos em plongé, tomados e lado ou colocados sobre a paisagem dos suportes verticais. Penas ou perdiz suspensos à esquerda, ao alto, ou logo caroço de corpo de ave, lembrança da música, bem como as carnes porcinas, à direita. Uma vasilha exposta, panejamentos, as sombras verdes de vários tipos de folhagem, dentro ou fora do domínio da culinária. Não é muito mais do que isto, apesar da surdez tonal e da vida lumínica das coisas em volta de um negro que sobra das várias operações no trato pictórico: pode tratar-se de uma ideia de expansão ou de compressão, o tempo faz suspeitar o movimento.