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terça-feira, abril 28, 2009

ALGUMAS LINHAS SOBRE O LIVRO «A CASA»

foto de rocha de sousa

«É um livro profundamente dramático e violento, que nos dá a ver, de um modo nu e cru, o que não quereríamos saber da condição humana. O sofrimento, o egoismo, a amargura, os afectos e desafectos das relações e por fim o desespero e o medo, tudo o que nos pode levar à desumanização dos comportamentos, pessoais e sociais.
A escrita é muito bem elaborada, extraordinariamente descritiva e incisiva na sua dimensão visual. A personagem principal surge muito bem construída, entre o real e a ficção, obrigando-nos a fazer o percurso dos "caminhos da dor e do medo", ao longo dos diversos episódios narrativos, ou melhor, reflexivos. Curiosamente, e tal como aconteceu noutros livros do Rocha de Sousa, a presença dele é, para mim, constante. Não consigo deixar de o identificar, como pessoa/personagens, durante quase toda a leitura. Talvez porque alguns momentos se colem a outros, reais, em conversas que tivemos desde há muito. Reconheço-o nas palavras e pensamentos daqueles personagens, na elaboração das suas emoções e sentimentos, nos actos que praticam e no modo como os praticam.
O final é muito bom, é como se estivéssemos sós numa paisagem a ver o sol desaperecer na linha do horizonte»
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de Luisa Gonçalves (professora e artista plástica) numa troca de correspondência. Este livro vem anunciado neste blog e no Desenhamento, tendo sido editado é distribuído pelo «Círculo dos Leitores»

sábado, abril 25, 2009

25 DE ABRIL OU A REVOLUÇÃO DOS CRAVOS


Acordei ao som da rádio, naquele dia de Abril de 1974. Havia portas a bater, carros assustando as ruas, carros apitando sem parar, como acontece frequentemente nos casamentos. Um amigo telefona-me e dá-me a notícia: o tal movimento dos capitães está na rua. O governo vai cair. Ainda lhe pergunto, sobreposto ao entusiasmo das vozes do outro lado da linha: e basta que esse movimento esteja na rua? Você tem assim tão grande fé? E ele, em perfeita bonomia: não é de fé que se trata, é de esperança. Eu, ainda ensonado: ainda bem para todos. E a rua, como está a rua? O meu amigo, impaciente, a rasgar a voz: a rua desobedece, obviamente, às ordens em nome da segurança individual, é gente e gente, muita gente, talvez gente que não tem fé nem esperança, tem, isso sim, a certeza.
E então, ao abrir o rádio, uma voz convicta dizia: aqui, Movimento das Forças Armadas.
Não foi preciso esperar muito tempo, horas ou dias, para que a certeza popular acompanhasse a forte convicção das forças que haviam, enfim, tomado os pontos cuciais de Lisboa, a par de outros semelhantes acontecendo um pouco por todo o país, numa linha principal e bem estruturada. Floresciam já, assim mesmo, os cravos vermelhos, símbolo indelével do golpe militar que permitiu, à noite, na televisão, declarações lapidares dos factos e sobretudo a leitura de um programa sintético a explicar os pontos essenciais desta viragem no regime: Democracia, Desenvolvimento e Descolonização. Já nem posso garantir que estou a escrever certo. O amigo que me telefonou no próprio dia 25 de Abril, anda desolado com a marcha da História. Flores emblemáticas sempre recuperadas ao longo dos anos, eram os cravos que as crianças, alegres com o lado bizarro do seu acto, metiam no cano das espingardas em repouso mas em alerta sereno, aparentemente cuidando do futuro.