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sexta-feira, junho 20, 2008

A HORA SACRIFICIAL


Esta imagem será substituída por outra a obter em melhores condições de luz e com meios mais apropriados. A fotografia foi realizada como ensaio na fase terminal da obra, uma composição (a acrílica) que parece envolver o avanço de alguém, mulher certamente, para um altar sacrificial, o filho oferecido por ordem divina à morte capaz de pacificar a palpitação das tribos. Este terrível mito bíblico foi superado há mais de 2000 anos, mas não deixa de continuar a executar-se de outra forma, meninos da Palestina (ou de outras regiões do mundo) sob o acaso das balas, crianças negras entregues a um destino de peste e fome pela perfídia dos homens. A pintura atrai aqui eventuais leituras desse tipo. Mas pode tratar-se da aproximação à pia baptismal, compromisso antecipado também, ou dar-se como pintura apenas.

quinta-feira, junho 05, 2008

LIXOS: MATERIAL PLÁSTICO E DE REFLEXÃO


A imagem aqui publicada foi recortada de um contexto urbano, Nápoles, onde vários problemas de ordem política e social criaram uma situação aterradora: o enchimento de grandes áreas da cidade com verdadeiras montanhas de lixo. O enquadramento abstractiza a realidade visual e chega a produzir um efeito muito próximo daquele que experimentamos perante documentos de mortandades derivadas de conflitos humanos, genocídios, remoção de violentas catástrofes. Curiosamente (e assim se apura a sensibilidade criadora) a imagem seguinte encontra-se, por algumas analogias, com o sentido geral da primeira. Em ambos os casos há uma acumulação de matérias, de corpos semelhantes e simdaultaneamente diferentes. Na segunda imagem acontece o registo de uma obra de arte ligada à tendência pop, à arte urbana, ao expressionismo. Grandes quantidades de embalagens perdidas, de latas que foram amolgadas e comprimidas lado a lado, por camadas, podem favorecer o aparecimento de mensagens polissémicas, todas envolvendo a ideia de sociedade consumista, avassaladora, de perdas e excessos, de falta de organização plural do nosso comportamento, sua funcionalidade equilibrada, manejo e destruição produtiva em ordem ao equilíbrio sistémico dos modos de vida e da sua qualidade.

Este é um ponto de viragem, transformação do lixo comprimido e feito objecto de arte. As latas coloridas e apertadas em camadas, geram um espectáculo matérico, emergência artística, a vibração poética que evoca a própria civilização tecnológica e lhe extrai um valor expressionista pela dramaticidade caótica vinda do tratamento digital a vários níveis (cor, forma, textura aparente) em termos de descaracterização abstractizante do referente.

quarta-feira, junho 04, 2008

BELAS-ARTES E SEGREDOS CONVENTUAIS




JÁ FOI LANÇADO O LIVRO CUJO TÍTULO NOMEIA ESTE POST

E eram as pedras maiores, quase soltas das outras em redor, a responder ao tumulto das nossas vozes, provocandoo ressonâncias nos espaços descarnados, nos pátios e vastas escadarias, silhuetas sobrevivendo ao alto, de algum modo pilares de uma complexa arquitectura conventual que atravessara o horror de 1755 - Lisboa caída a seus pés, sob a imagem de inevitáveis fissuras nos espessos muros de várias frentes que o vento norte fustigava, as chuvas também, mais tarde a força renascida do sol e da luz branca cujo calor vinha de novo distender tudo em volta. Paulino esgueirava-se cedo, durante o Inverno, nessas noites começadas pouco depois das primeiras aulas da tarde. Cheirava a pano molhado, borracha húmida, e mesmo assim o pujante Firmino atravessava os lugares com o falto macaco aberto, os tornozelos nus, chinelos sem origem, cambados, chapinhando nos pequenos lagos formados entre as lajes ou na concavidae delas. Manuel fumava a um canto, à espera. Acácio aprofundava o seu mutismo, um cigarro suspenso dos lábios, os óculos redondos brilhando no escurecimento das horas, entre sombras que passavam a camiho do largo. Leocádia? FElismina avançava e detinha-se na ponta dos corredores, escutando alguma resposta através dos murmúrios e dos risos. A Rosa voltava para casa sem ligar a esses pormenores, tinha daqui a pouco de apresentar o gisado ao marido esformeado, além de tratar das suas pr´prias mazelas, pernas grossas bordadas de varizes, pêlos descendo pelo exterior das coxas numa hibridez sensual, a cama a ranger por cada banho de gel que ela aplicava ao enorme corpo ainda tocado de aparências carnais semelhantes às pinturas dos mestres senis. Cavaletes, meninas afogueadas, as batas sujas de tinta. Rosa puxava as saias, espalmava as mãos sobre as pernas, pensava no marido e naquela fome que ele lhe transmitia todos os dias. «Bom dia», aflorava a corda vocal do Aldemiro de cada vez que chegava ao nicho da porta da sala, fechando, atrapalhado, um enorme chapéu de chuva de doze varetas. Abertos, uns sobre s outros, esses objectos era postos a secar no vão anterior às retretes, pareciam bichos sombrios, de pele esticada e húmida. Alguém acendia logo o gás. Alguém puxava as cortinas. Passos sobrepostos, a mudez do frio, os primeiros cavaletes arrastados de forma ensurdecedora. Manuela? Helena? A rua do Carmo estava atolada de gente e lama que parecia brutar, eternizada, de dois postos de obras municipais. Os professores vinham de táxi, a maior parte deles, os novos candidatos pela Direcção Geral ao abrigo da reforma recente, já velha ao nascer, guardada no cofre do Paulino, sob abóbadas seculares e cheias de bolores. Leocádia?