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quarta-feira, janeiro 31, 2007

DERIVA DO OLHAR SOB A LUZ DA MANHÃ


















fotos de rocha de sousa


Não há muito que dizer, apesar da fotografia nos fornecer a expressão suspensa entre dois instantes de percepção ou a nitidez aparente do real, ou o ar difuso de quem acorda com o cristalino amarrotado. Levanto a cabeça do braço apoiado sobre a mesa e sinto a pequena distância, a madeira e o brilho sucinto da manhã. Acordar pode ser esta deriva do olhar paralelamente a partes de objectos que ficaram aqui desde ontem, as paredes de vidro de um corpo, a haste de um par de éculos, uma caneta, a distorção das várias proximidades e o braço ainda amparado no tampo da mesa. Um sentimento difuso. Um princípio de espera. O corpo dorido.

sábado, janeiro 27, 2007

OS ARTIFÍCIOS DO IMAGINÁRIO





rocha de sousa: estudos de pintura digital

PINTURA DE RAIZ DIGITAL



Estas pinturas vivem em natural
semelhança com outras obras
que produzi, na linha do discurso
contemporâneo, mas distinguem-se
tecnologicamente pela raiz
digital, trabalhada
com uma simples box paint
do computador, no Windows






Claro que há muitas formações,
plásticas e digitais, mas apoiadas em
próteses sofisticadas.
Estas, contudo, distinguem-se das habituais
porque se formulam contornando o meio
e conservando a natureza do discurso
do autor através de meios tradicionais.







Peças de pequeno formato
concluídas e impressas em A4.
As variações delas, embora concordando
com a linguagem já referida,
escrita e plástica, que me é própria,
emergem por agora da mera
experimentalidade-





experimentação de Rocha de Sousa

terça-feira, janeiro 23, 2007

quarta-feira, janeiro 17, 2007

DE NOVO, VAGAROSAMENTE, A BRUMA




fotos de rocha de sousa

INTENCIONALMENTE DE NOVO, RESTOS




Esperando a benção sobre o que vigiam, as mulheres apertadas num nicho de nenhuma igreja parecem vigiar, num imenso espaço a seus pés, o que resta do mundo, destroços, ferros, grades, ossadas humanas, cabeças em adiantado estado de putrefacção -- e pela nossa parte, como uma vulgar estampilha, a síntese emblemática do apocalipse

DE SÚBITO, A PINTURA A PRETO E RANCO















A arte tem as suas fronteiras, embora imprecisas. Por isso nos dividimos quando o grito dos autores mais empenhados surgem no vazio, sem se perceber exactamente donde vêm. Seja como for, muitos desses gritos, palavra a palavra, parecem recuperar a vida -- porque sim. É como os astros aparentemente fixos na concavidade celeste. Pela arte passa o irracional, mas ao mesmo tempo a memória, a icção, sucessivos revestimentos -- nomeações so próprio enigma suspensas sobre a cidade sem deus.
A racionalidade da colagem, lógica na sua verdade gráfica; depois o velho abandonado pela menina, da qual resta a mortalha do vestido; e a preto e branco, porque sim, a velha senhora após reconhecer um cadáver.

terça-feira, janeiro 16, 2007

DOIS FRAGMENTOS SOBRE A DOR ANUNCIADA













Estes dois pomenores da pintura que se pode observar aqui em baixo são um modo de ver a verdade da matéria e a sua autonomia, grito a grito. Este espectáculo tanto se pode relacionar com um desastre benigno da Apolo sobre as planícies americanas como, certamente bem melhor, a premonição de uma batalha explodindo nas areias do Iraque. A arte mente para dizer a verdade e é por isso que está sempre em vários tempos simultaneamente. Tempos, lugares,
a desarrumação arrumada do caos que é a oficina de muitos pintores: aqui em baixo, bancada com latas de tinta e pincéis secando. A dor anunciada é um fingimento -- como o fingidor da própria dor -- e dá-nos espaço para algumas escolhas com fundamento. A pintura, assim e quando parece terminada, regista o ritual sumptuoso de uma missa sem língua. Infelizmente, para muitos dos nossos contemporâneos, optar é esquecer.

ENSAIO SOBRE A PINTURA


a dor anunciada


segunda-feira, janeiro 15, 2007

domingo, janeiro 14, 2007

VISITAÇÃO DA BRUMA

fotos de rocha de sousa
Esta revisitação aconteceu num dia em que me deslocava, de carro, para
o CCB, a fim de ver uma exposição. À minha esquerda, quase todas as coisas tinham desaparecido numa espécie de cegueira branca, o vento nos cabelos, a boca seca, uma estranheza em volta do rio Tejo.

MUSEU ENCOBERTO



fotos de rocha e sousa

Por estranho que pareça, este belo edifício revestido a tijolo era uma central termo eléctrica e tive oportunidade de a visitar há largos anos todo o seu interior quanto todos os seus fornos, tubos e máquinas se encontravam ao abandono, formando um cenário quase irreal, para qualquer desses filmes de ficção científica transversal ao presente e ao início do século XX. Ocorreu-me, na altura, que todos os elementos contidos naquele espaço deveriam ser conservados, tudo limpo e pintado nas poucas cores previsíveis, formando-se assim um museu da electricidade quase exclusivamente com tal património. Ao escrever sobre aquele objecto, no contexto de análises sobre arte, atribuí-lhe á designação de museu encoberto. Alguns anos mais tarde, na linha de séries para a televisão escritas por mim e realizadas por José Elyseu, tentámos rodar um filme sobre aquele edíficio, no exterior e principalmente no interior, metáfora sobre a pintura, numa obra em vídeo com o nome que cada mais se sedimentava em mim: Museu Encoberto. A filme foi produzido, embora destacado da série, e hoje está de facto transformado em museu da ciência e da electricidade, polivalente, já não encoberto mas reinventado para diferentes iniciativas artísticas além do seu uso habitual sancionado naquela trabalhosa edíção cienamtográfica.

segunda-feira, janeiro 08, 2007

OS MUROS DO NOSSO CONSTRANGIMENTO

fotos de Rocha de Sousa

Nas traseiras do bairro onde eu vivo, há recantos de velhas casas e velhos quintais de muros rasurados, a cal perdida, musgos crescendo, recantos e lugares mortos assim, com lixo, onde a alegria das crianças pobres se expressa em paradoxo, sem entraves.


Os velhos bairros das velhas e grandes cidades, chamados núcleos históricos, refazem-se como podem e deixam-se envolver por quintais sujos, muros e musgo. Depois, muito mais tarde, outros bairros surgem, dirigidos segundo os pontos cardeais: como as «avenidas novas», talvez, habitadas por diferentes estratos sociais, incluindo certa burguesia derivada de aristocracias decadentes. Mais tarde ainda, no devir das migrações, os bairros históricos e os outros, carregadinhos de carros e acácias, deixam-se envolver por alojamentos desordenados, cinturas urbanas imensas, mal construídas, argamassa falsificada e cheia de humidade, janelinhas suspensas para fingir a área que o interior não apresenta Os muros do nosso constrangimento, assim, ainda mais se repetem pelos acasos das «vilas», estereótipos de outros tempos, onde tudo sobra entre lixos, tascas sem nome, bicicletas ferrugentas, risos de crianças.

segunda-feira, janeiro 01, 2007

LÍRICA DAS FOLHAS 2007




fotos de Rocha de Sousa
Diz-se que uma imagem vale mil palavras mas a verdade é que, por vezes, nem mil palavras chegam para abranger o retrato integral da imagem, desde a superfície da aparência às particularidades e profundidade do que nos é dado ver. Para ver, de resto, os caminhos cruzam-se: ou a imagem não chega para exprimir o que exprime certo texto, ou o texto é insuficiente para dizer a imagem. Usei aqui, para além de um isolamento técnico-formal no caso do eucalipto, o derrame de outras folhas sobre a calçada, a própria calçada a violar a nossa percepção, fechando o ciclo numa massa de folhas secas daquelas árvores. Poderá haver aqui um percurso de fecundidade, vida e morte, mas a vontade não é romântica, é talvez mais plácida e lírica.