Páginas

domingo, março 30, 2008

RETRATO DOS PADRINHOS NA VISITA DE 1945




Esta composição, obra plástica em técnica mista sobre papel, faz parte da colecção já assinalada com outros exemplos, mas reporta-se a uma memória difusa, creio que durante a visita dos padrinhos, que viviam em França, e que, após casarem assim, viajaram para Portugal, deixando um país em destroços e difícil de suportar, à letra, estas mordomias. São recordados entre folhas secas, agora, já depois de anos e anos passados sobre a sua morte.

quinta-feira, março 27, 2008

A ESTRANHA BELEZA DAS RUINAS SINGELAS

fotos de rocha de sousa

À medida que eu crescia, nesses anos de crueldade, as fábricas foram ardendo meticulosamente, uma após outra, e os senhores delas, simulando a dor e o desastre, partiam para o Norte ou para o Centro, abandonando (discretos) homens e ruínas. No rio prestes a morrer ao avanço da lama que ninguém removia, os fardos de aparas de cortiça vinham carregar as grandes barcaças para as últimas viagens da decadência. E eu lembrava-me do uso colectivo desses cascos de madeira, Maio-festa, velho costume de flores e farnéis, grupos em cacho nos convés, rio abaixo, pequenos portos nas hortas de bilhete postal. Acampava-se nas margens ainda jardim, entre laranjeiras, as lanchas da nossa viagem imaginariamente maior como peças de uma aventura à Salgari. A procissão voltava à cidade na maré da tarde, tac-tac dos motores, os cestos repletos de ramos ornamentais que ficariam muito tempo presos nas paredes das nossas casas, um laço de papel segurando as hastes decepadas. Restam algumas fotografias, Helena. Porque, breve na minha adolescência, tudo se degradou - homens, fábricas, crianças, o rio. E as noites de cada incêndio, marcando a fogo o próprio retrato político do país, banhavam a soturnidade das últimas mortes. Espectáculo após espectáculo que eu seguia com uma espécie de gosto comovido, um terror e uma ternura não sei porquê nem por quem, o espanto a misturar-se do mesmo modo com o apelo-repulsa dos gritos, enquanto percebia, sob as cicatrizes, como o sofrimento pode em certa medida empolgar-nos. Fiquei gostando irremediavelmente das ruínas, embora seja mais fácil ver nelas a morte do que a vida.

Excerto do livro do autor deste blog «OS PASSOS ENCOBERTOS» e que retrata um pouco a demolição do país nos anos 50, com a perda da indústria corticeira.

segunda-feira, março 24, 2008

A FACE DILACERADA DE MUITO PATRIMÓNIO

Como veremos nesta breve deriva pela zona circundante do Palácio da Ajuda, há aqui uma face dilacerada pelo decorrer do tempo e pela injúria das catástrofes, entre desleixos quanto ao dever de conservação do nosso melhor património construído. Fachadas laterais como cenários perdidos de um teatro antigo, arcos como capelas vazias, dessacralizadas, além das perspectivas angulares de tudo o que sobra a leste, a norte, sob a brisa matinal e as árvores iluminadas pelo sol ainda rasante. A beleza das ruínas, quando nem a conservação é possível, pode funcionar como apelo à contemplação, fio de memórias antigas e de fantasmas pressentidos entre várias arcadas e projecções de sombra.

fotos de rocha de sousa

sábado, março 22, 2008

JAZIGOS DE CEMITÉRIO ou PALÁCIO DA AJUDA









PERTO DOS RESTOS DO PALÁCIO DA AJUDA




Nem são precisas palavras para nomear cada resto, cada sítio abandonado em torno do palácio, o sonho português está cheio de belos destroços já paisagem, aqui, longe, no Índico, ou do outro lado do Atlântico, entre fortalezas e antigas moradias encomendadas para o Brasil, no tempo dos engenhos, levadas para lá, como a ópera de Manaus.







fotos de rocha de sousa

quarta-feira, março 19, 2008

RETOMA DE DAS PRSONAGENS ILUSTRADAS

Não se trata aqui de resgatar algo de que se fopi perdendo o fio condutor e a memória, mas apenas assinalar que este ciclo, fechado nos anos 80, fecha também aqui, sendo certo que todas as 12 peças, em histórias absurdas do ser e do estar, hoje ainda na ilusão do presente, amanhã na antecâmara da morte, fósseis de vários destinos, encenações de pessoas ainda jovens, depois mutiladas, corpos nus que sobejam na margem dos caminhos, incestos e amores sem nome, meninas gémeas que contemplam um cisne a dormir e são depois devoradas por ele. Talvez não fosse um cisne, mas parecia. A doçura do estar tornou-se voracidade do ser.

segunda-feira, março 17, 2008

PORMENORES DE OBRAS JÁ PUBLICADAS





Grandes fragmentos de quadros já publicados da série intitulada «Desastres Principais»

sábado, março 15, 2008

A REPRESSÃO OU OS CONFLITOS DE RUA




Velhos são os tempos destas crises em plena paz da guerra fria. Os alunos, em luto e luta durante 62, procuravam as razões da sua escassez de meios e o ser dos que ficavam excluidos. Os estudantes de Maio de 68, nomeadamente em Paris, decretavam nas ruas que era proibido proibir. E outras querrilhas assim, um pouco por todo o mundo, em nome da liberdade, dos direitos humanos, da esperança num verdadeiro futuro.

sexta-feira, março 14, 2008

O HABITAT DAS PARAGENS NECESSÁRIAS


fotos de rocha de sousa

MENINOS LADINOS OU BONECOS DE RUA




Para quem tiver paciência de seguir esta minha deriva por obras que elaborei outrora e recentemente, acabará por verificar que a viagem de agora, das telas e desenhos de agora, ainda se apresentam marcadas pelo léxico essencial do meu «discurso gráfico-pictórico», mesmo quando as configurações se tornam mais angulares ou retornam às sinuosidades, dobras, resoluções orgânicas e fragmentárias. Este quadro é dos anos 80 e mostra um lado de «tortura», de «fingimento», de «alegria» e de «máscaras» de brincar ou amedrontar. De cima vem o contorno surdo de uma máscara exótica ou meramente doméstica: poderá tombar sobre o rosto de menino velho, enrugado, como acontece com os anões do nosso espanto, grotescos, perversos e doces, a pele em pregas como a de um homem acabado de nascer, sangrento. Noutro ponto deste roteiro, e dentro em breve numa retoma de detalhe, há quadros recentes, quadrados, onde as hastes laminares atravessam espaços de nenhum lugar e farrapos abstractos denotam, em todo o caso, uma perna amputada, a imagem instantânea de um filme de guerra. Não é possível representar o real, mas também não podemos deixar de o referir através da vida que nos agita e compromete.
Por cima desta imagem, uma outra resgatada da série dos posters, e na qual o papel amarrotado, em trompe l'oeil, inclui a síntese de uma célebre fotografia do Maio de 68. O contraste é de meios, técnicas e forma da mensagem. Mas é ainda, ou de novo, aquilo de que somos feitos enquanto testemunhas de tempos diferentes. O que somos são todas as imagens que nos atravessam.

quinta-feira, março 13, 2008

RETRATO SEM ROSTO


O retrato não é, necessariamente, a representação mimética da face de alguém. Ou melhor: seria outrora, algo assim, mas sempre mais, pela qualidade intrínseca da expressão plástica, e segundo o contexto tecnológico existente. Numa tese universitária sobre a deriva do retrato, alguém tentou seguir esta pista de pesquisa, esta orientação criativa, percorrendo as sinuosas formas de apresentação da pessoa, não apenas do seu rosto, mas também as marcas, os sinais, os símbolos cuja raiz poderia associar-se à natureza humana, a uma certa maneira de ser e de aparecer. O júri julgou improcedente este caminho, apegou-se às determinações da evolução histórica desse género de representação a que se convencionou chamar retrato. O desenho aqui proposto é o retrato de alguém, numa certa idade e com certos adereços ou comportamentos, identificável pelos elementos propostos e organizados no plano, não apenas enquanto à memória física mas também como portadora de significações particulares.

quarta-feira, março 12, 2008

AS CATÁSTROFES DE PAPEL

















Estas peças são colagens sobre papel, ordenadas de novo sob uma tensão de catástrofe, entre o ritmo e a mistura quase ornamental dos seus efeitos plásticos. Como na maior parte dos casos da minha trajectória de trabalho artístico, os meios de intervenção no plano ultrapassam, pela diversidade de manipulações, a sua natureza intrínseca. Os papéis recortados, por vezes laminarmente, podem ser pintados no começo ou ter cor própria, industrialmente produzida. A estes materiais juntam-se outros similares mas intervencionados por referências aos jornais, notícias, derrocadas. As letras maiores quase insinuam passos conhecidos da história recente do país. Os jornais amarrotados contrapõem o seu realismo às estruturas geométricas, podendo apresentar um tratamento de completação por grafite.

terça-feira, março 11, 2008

PAUSA DE LAZER ENTRE TEMPESTADES


fotos de rocha de sousa

dor, conflitos, desastres e outras próximas lamentações, foram apaziguados por estas imagens quase sem cor, de um cinza brando, enquanto o nosso olhar tende a rolar pelo horizonte, absorvendo a distância.

ALÇA TELESCÓPICA NA ORLA DO CAPIM




DESENCARCERAMENTO, DETALHES

prémio de aquisição da
III Exposição da Fundação C. Gulbenkian
(Artes Plásticas)






Ao longo de várias fases da minha obra plástica, por cada fase, por cade técnica, por cada vontade de expressão, nunca me afastei completamente dos estímulos à sensação e à intensidade expressiva. A literatura e o cinema fizeram parte da minha formação, antes mesmo de começar a aprendizagem do desenho e da pintura num curso superior, dirigido por bases de cunho histórico, teórico e estético. Ou seja: desde muito cedo dedicado à leitura e ao desenho narrativo, incluindo a banda desenhada, até pela sua ligação ao cinema que frequantava com assiduidade, depressa me senti obrigado, numa espécie e dever de consciência, a misturar discursos, simulando mesmo a própria fotografia ou a representação objectiva em contextos adversos. Isso acontece um pouco nos detalhes aqui publicados, pertencentes a pinturas dos chamados «Desastres Principais»: fragmentos do mundo e dos seres, a ficção do visível (pela forma plástica) condimentada tanto pelos frames do real cinéfilo como pela sua explicação linguística. O desencarceramento é apenas um sentido geral, a aproximação de um quotidiano fulminante.

AS CALIGRAFIAS DO SONHO E DO MEDO

















Este pequeno conjunto de peças, figurou, com muitas outras da mesma série, na exposição de polémica (contra a crítica redutora da época, anos 80) intitulada «Convenções do Dizer». São desenhos a tinta da China, por vezez com sucintas intervenções de guache. Os temas implicitos inscrevem sobretudo uma imagística de catástrofe e algumas obras abarcavam o tema «O Asfalto Ensurdecedor»