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sexta-feira, junho 08, 2012

VALOR NA EDUCAÇÃO DA CULTURA E DAS ARTES

da capa sobre Didáctica da Educação Visual, U.A.    
imagem de ROCHA DE SOUSA

Quase ninguém soube quem acabou com as «velhas» Escolas Técnicas, normalizando tudo por um único eixo oferecido às elites liceais a caminho da Universidade. E assim se perdeu um pólo formativo técnico-profissional que nenhum liceu saberia enfrentar, pelo que se atirou para o buraco negro do oportunismo montes de ferramentas e máquinas preciosas capazes, inclusive, de estabelecer muitos e diferentes canais de interacção daquelas escolas, algumas delas exemplares a vários títulos, com a própria indústria. Tive oportunidade de assistir a uma experiência assim entre a Escola Técnica e Comercial de Silves e uma Metalurgia da terra, do senhor Carlos Pinto. O apetrechamento da Escola era moderno e chegou a desenvolver a produção de uma peça que a fábrica tinha em falta, por espera do equipamento encomendado ao Japão. Por outro lado, sem contar com as Escolas de Orientação profissional e artística do secundário (António Arroio e Soares dos Reis) muitas dessas instituições eram acertadamente dirigidas por profissionais da Escultura ou da Pintura, com formação qualificada em certas tecnologias pluralmente dirigidas à edificação do património urbano e das artes em geral área do conhecimento que, no dizer do José-Augusto França, era nuclear para que uma civilização o fosse de facto.
A modernidade trouxe muitos equívocos, mesmo nas artes, mas neste caso a liberdade tinha um estatuto especial e é por isso que a revolução estética ocorrida no século XX continua a alimentar o entendimento da inovação e a própria reforma das Faculdades de Belas Artes de Lisboa e do Porto (UL e UP), acção abandonada pela sobranceria dos arquitectos (como comadres no bairro) e que não prejudicou a instauração de licenciaturas em Design de Comunicação e Design de Equipamento, além de uma licenciatura em Multimédia. Claro que os arquitectos mais abertos sabiam do interesse em reunir-se e relacionar-se didacticamente numa gande área dos seus saberes com outros, o que aconteceria com as artes plásticas e o design. Beliscaduras do PREC e do desentendimento com o director (escultor) precipitaram as coisas, não por motivos científicos, como se vê, mas por descoordenação cívica e cultural, um abismo mal remediado.

o velho eduquês e a negação das artes 
no fundamento da formação global do indivíduo
O primeiro conceito foi reactivado, no Diário de Notícias de hoje, por José Manuel Pureza, professor universitário. No seu texto, Pureza mostra sinteticamente como o Ministério da Educação continua a julgar que a formação actual tem de ir a montante refundar-se no «rigor», na «eficiência», no «pragmatismo». E entende que esta perspectiva, ligada a condições da escassez envolvente, assenta afinal na «mais ideológica» das cartilhas políticas esgaravatadas por este e outros responsáveis governamentais. Pureza também observa, e com pertinência, que os ministros que foram chegando a esta estrutura complexa da administração do país, todos amigos da flexibilização, deixaram, de uns para todos, o Ministério como o mais pastoso dos pântanos. A jusante, antes de colocarem o chão à mostra, trataram de cortar, anular direitos, concentrar, abater as escolas de proximidade. O actual Ministro, prof. Nuno Crato, que ainda acenou na televisão sob os eternos diagnósticos do prof. Medina Carreira, chegou ao lugar e mostra como o «eduquês» «está a produzir gente ignorante e a transigir com a incompetência. E, numa cruzada contra esse apodrecimento (algo sempre sedutor para os leitores de tablóides) ele não propõe nada menos que a regeneração da educação nacional.» E aqui o articulista conclui que a regeneração não é outra coisa senão a transformação do conservadorismo ideológico em política pública». Pureza conta entretanto uma história relativa ao gosto de Crato pela educação antiga, visto que a de hoje está pior do que nunca. 
Esta não é, globalmente, a minha praia, mas sei de originalidades de contenção política (coisa que cada vez menos se percebe o que é, tão autónoma se afirma) relativamente à abertura (desde o prof. Delfim Santos) do curriculum às áreas artísticas (musical, visual e tecnológica) desentendimento que me foi dado observar na altura em que Espanha já integrara o estudo das Artes nas Universidades e a lição anglo-saxónica tinha devotos partidários. O caso das artes, essencial,  já era marginalizado nos velhos liceus, morfologicamente ineptos: nesse tempo, um professor de Educação Visual só tinha um colega abaixo dele, o professor de Educação Física.
Lisboa, no contexto da Comissão e da documentação que trabalhava o Ensino Superior Artístico, dava entrada ao que apontavam os materiais que já a reforma de 1957 indicava; e as personalidades da nossa inteligência esclareciam todos, bebendo as esquisitas mistelas que o colonialismo  cultural, mesmo tóxico, lhes impingia. O que não era verdadeiro nem moderno.
                                                                                 








 A mobilidade visual é um conceito que envolve mobilidade no real e mobilidade intrínseca: a que corresponde à experiência cognitiva e suas linhas de relação durante os níveis de aprendizagem e vontade de  representação /expressão.










A circulação quotidiana dos olhares, segundo actos deliberados de observação orientada e segundo pesquisa na memória dos mapas de muitas outras sondagens entre contraste, associação, sobreposição, vários caminhos do ser e do ver, percursos, colocações, diversos níveis de nitidez e de eficácia conceptual, tudo isso indica ou faz parte da apropriação plural das sucessivas imagens do visível.

Quando trabalhei para a Universidade Aberta, criando unidades multimédia e gerindo a cadeira de tecnologia do Vídeo (audio-visuais), vi a abertura de muitos professores para os modos de formar que ali se indagavam e a mais valia que isso implicava em vários estratos da formação do indivíduo: cívico, criativo, destreza visual e papel da visão no espaço urbano ou com novos instrumentos. Muitos ministros da Educação ficaram ligados a desvios e facilidades comprometedoras, já no período dos governos constitucionais. Crato não merecia resvalar nesse sentido, uma vez que o problema não se resolve com cortes concentrados na Educação Visual ou anorexia para a Educação Física. E quando um governo constitucional, tarde na hora, pediu desculpa a uma comissão de professores de Belas Artes por um Director Geral lhes ter afirmado que o país não precisava de artistas para nada e que o uso denominativo do design em novas licenciaturas não passava de um desenquadrado anglicanismo, as coisas tremeram. E houve mesmo a nomeação de uma Comissão, com membros das Belas Artes e das Universidades para estudar as reformas, entretanto desenvolvidas, e saber se elas teriam qualidade científica e de formação artística para serem transferidas para o domínio universitário. Depois de 13 anos de maus tratos e incompreensões, a decisão foi tomada pela Universidade do Porto e pela Universidade de Lisboa.
No secundário, se houver consonância com esta já nítida realidade, o que se pede não são ressurreições  descontextualizadas, incluindo certos exames. Mas a formação do olhar e do ver, para além das «ciências da educação», consolida-se sobretudo na excelência da capacidade de ver e reformular assim a relação codificada do espaço ou com outra estrutura numeral das coisas. Há papás inquietos com os desenhos borrados dos filhos (o que tem primeiramente  muito que ver com a idade) e os engenheiros a dar aulas no secundário não sabem o que hão-de fazer com uma jarra. Há ideias erradas, aos montes, sobre tudo isso. Porque tudo isso se relaciona profundamente com o ver, com a passagem bem aprendida dos sinais do quotidiano, com os instrumentos que manejamos, com a sua representação mental e física. Tem que ver com as artes do tempo, não só com as do espaço bidimensional, mas também com o teatro, a literatura, a música, a dança, o cinema. E menos, curiosamente, com a televisão  que nos sobra. 
Esperemos que o senhor ministro alinhe por esta via: a educação do espírito (da consciência, da memória, do imaginário) não é coisa só para sucesso em gestão. Leonardo da Vinci era mais sábio do que qualquer dos nossos maiores  gestores de meios, os que ganham centenas de milhares de euros por ano e poucas alternativas podem manipular. Claro que o português é uma das prioridades (como a Educação Visual), mas a nossa língua, assaz rica, tem operações narrativas ou inventivas para dizer a imagem ou, com ela, resolver um melhor entendimento do que os linguistas e os escritores apontam para a vitalização do português. Deixemo-nos das vagas como a que nos enxameou de pedagogos, ou a que nos fez reféns das ciências da educação numa perspectiva afinal conservadora, ou ainda o cerco dos psicólogos, que olham para a violência dos alunos em relação a um professor e debitam modos de actuar bidimensionais e logo mortos na sua escassez quanto ao entendimento espesso e líquido da realidade.
Ver criativamente a realidade é prioritário para a formação do indivíduo.

sábado, junho 02, 2012

APESAR DAS VOZES, SÍRIA VOLTA A MASSACRAR

                          Rocha de Sousa, foto: massacres na Síria

A Síria, acometida pela mesma vontade que trouxe a Primavera Árabe, viu parte da sua população manifestar-se contra o regime de Bashar al-Assad. As pessoas manifestavam-se contra a ditadura, contra a falta de liberdade, contra a precariedade. Foram mal toleradas tais expressões de vitalidade: muito em breve, Assad deu ordens para que a vida pública voltasse ao normal. Mas forças do regime agiram com excesso de Zelo e desencadearam formas de repressão muito violentas, prolongando o cerco das cidades e recorrendo ao seu sistemático bombardeamento. O património urbano desfazia-se, ganhava simbologia, tudo se tornou inabitável. As primeiras vítimas contavam-se pelas dezenas, mas os prisioneiros foram encerrados em quartéis-prisão e submetidos, segundo testemunhos insofismáveis, a torturas de assombro, que geravam muitas vezes a morte.
Apesar das vozes da comunidade internacional, o avanço dos bombardeamentos tornou-se cada vez mais violento. Os rebeldes cobriram frequentemente a retirada das populações, a longa fuga para campos montados na Turquia. Os massacres continuaram e a Rússia e a China, que tinha impedido no Conselho de Segurança da ONU sanções contra a Síria (a brutalidade destruidora das forças do regime, cada vez provocando mais vítimas e degradando um imenso património urbano) associaram-se então ao voto punitivo, a estudar consoante as circunstâncias. Kofi Annan foi à Síria e tentou negociações de paz, a análise dos pedidos e o recurso às soluções consensuais. Foi instaurado um cessar fogo. Era urgente começar a resolução do problema. Mas o exército Sírio não respeitou o cessar fogo e incrementou mesmo alguns ataques arrasantes. Tinham desaparecido os pássaros, os próprios bichos domésticos, o silêncio tardio era fustigado, de quando em quando, pelo exército «regular». E há dois dias, cercando a cidade de Houla, usou bombardeamentos  assassinos e entrou pelas casas, matando famílias inteiras, numa condenação sumária que foi estendida às crianças com tiros na cabeça e, noutros casos, recorrendo à degolação. A comunidade internacional reagiu, tentando evitar uma guerra civil e a hipótese de que todo o Médio Oriente se incendiasse. Só naquele dia houve 100 mortos e 300 feridos graves. Tudo tarda. Os governos ocidentais temem, mais do que as memórias do Afeganistão, Iraque/Irão, conflitos com Israel. Temem a importação de um estranho Vietnam e olham cansadamente para os efeitos da crise financeira actual e para os emigrantes e os fantasmas onde gritam sérvios e a fragmentação de todo esse nó em plena Europa.