Esta é uma última imagem do vídeo «Lírica do Desassossego», com Isabel Rocha, em que a personagem acaba por soçobrar ao ataque de um corda espessa e outras mais finas, as quais se erguem do fundo de um monte de fotografias antigas, em parte de família, colando-se às mãos até aí intérpretes delicadas, liricamente delicadas, de uma visita à imagem dos mortos, das casas, das velhas ruas da velha e decadente cidade de província. De fato, e quando a personagem mergulha bem fundo no monte de fotografias que recolhera, assusta-se ao ver emergir daqueles amarelados documentos uma enorme corda dura, enrolada, contra a qual luta, puxando-a e empurrando-a, no efectivo esforço de se desfazer daquele fenómeno. A imagem da corda enquanto corda não é disfarçado, embora escurecida em castanho, mas a sua conotação com uma longa serpente parece óbvia. Enquanto o corpo é enrolado pela corda espessa, as mãos, procuram convulsivamente libertar-se, mas acabam por ficar «algemadas» pelas cordas mais finas. Contudo, a personagem, rolando pelo chão de pano avernelhado, e depois de procuras meio desesperadas relativamente aos instrumentos dispersos pelo espaço, tenta serrar uma haste de madeira a que estava presa (pelas cordas ainda em actividade). Grande e longo plano fixo da serra a sulcar dificilmente a madeira. Essa acção é intemporalizada, antes do fim pretendido, pela paralisação da imagem: a madeira resistiu até meio, o destino apenas se exprime por metade. Presa da memória, a mulher fecha devagar as pálpebras, o serrote tombado além.
Nem só as máquinas do Apocalipse se aproximam para nos destruir. Há milhares e milhares de anos que nos debatemos com as nossas memórias e a metamorfose das cordas colando-se ao corpo e às mãos, simulando a morte pelos répteis ou o suicídio perante um futuro rasgado.
2 comentários:
Fiquei impressionadíssima pela beleza das imagens e pela descrição. Gostava muito de ver tudo.
Da «rendição», desci até aqui abaixo e, sem grandes comentários, digo apenas que consigo agora compreender melhor estas imagens, de uma beleza, mescla de raiva, ternura e força, que me espantam.
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