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terça-feira, outubro 16, 2007

A TEMPESTADE



«A Tempestade» é um ensaio vídeo que realizei em torno dos problemas do Médio Oriente, Curdos, Kosovo, Rússia. Não se trata, directamente, de nenhuma abordagem sócio-política, étnica, nem mesmo histórica. A identificação que o espectador terá de fazer das sequências documentais, em paralelo com construções fílmicas de minha autoria mas com carácter metafórico ou alegórico, dependerá da sua cultura, incluindo substancialmente muitos aspectos largamente difunidos pela televisão, sobretudo o golpe de Moscovo e a subida ao poder de Ieltsine, aquela noite inquietante em que as pessoas acompanharam provocatoriamente, na rua, os carros de combate e já se batiam por uma viragem que dias depois estava a começar, com as virtudes e defeitos envolvendo grande parte do mundo.

«A Tempestade começa por ser, prosaicamente, uma tempestade autêntica, de características tropicais, que se abateu sobre Lisboa ao início da noite. Essa realidade foi por mim registada, sem qualquer pressuposto que não fosse a grandeza do espectáculo e os relâmpagos quase sincronizados com os trovões.

Ao acompanhar os acontecimentos desencadeados na antiga União Soviética, uma força surda durante a noite (lá) e as provocações dos moscovitas em plena rua, lembrei-me da tempestade que filmara. A sua associação ao caso de Moscovo era aliciante. Entretanto, fui gravando situações na antiga juguslávia e noutros pontos quentes, documentos de grande força e sentido trágico.
Num ensaio de montagem não linear nem cronológico, trabalhando com cenas construídas por mim, a cores, em cemitérios e jardins, entre nostalgias da chuva e outros efeitos, acabei por introduzir, do mesmo modo, uma personagem que, apesar da trovoada, lê excertos do relato (futuro?) da própria realidade presente, folheando cadernos e fotografias com as mãos «sujas» de sangue.
Dois travellings à frente e à mão pontuam o princípio e o fim deste documento ao mesmo tempo real e ficcionado, trabalho que procura claramente mobilizar as consciências para um mundo em convulsão em pontos estratégicos importantes e em que os massacres ou guerras regionais nos alertam, com efeito, para as nossas fragilidades civilizacionais.








4 comentários:

jawaa disse...

Para além das fotografias belíssimas, tempestade é mesmo a que se abate (ou deveria abater...)sobre a consciência do Homem.
O original é, certamente, um trabalho magnífico.

naturalissima disse...

Ando a rever os filmes de Tarkovsky e ao chegar aqui dou conta de mais um estilo Rocha de Sousa Tarkovskiano... hehehehehe...
É bom rever tio meu... e estas obras criadas por si, deveriam ser vistas e apreciadas...

gostei muito
eu

Rui Caetano disse...

As fotos são interessantes e muito sugestivas, o texto aborda uma questão que me é querida, as tempestades. Gosto de tempestades, principalmente se estiver na cama aconchegado.

Miguel Baganha disse...

João,
sinto-me cada vez mais aliciado e simultaneamente penalizado ao ver esta sinopse de " A TEMPESTADE ", pois na realidade eu gostaria de ver a película na íntegra, bem como todas as outras.Do pouco que conheço da sua obra cinematográfica, vejo-a assim: inquietante e sempre visionária duma realidade perturbadora mas intemporal, e sempre captada dum «certo» ângulo, muito peculiar; o seu...

Estes excertos de fílmica e respectiva narrativa, exemplificam duma forma notável que, podemos realizar um filme visando uma temática e cenário dum local distante, sem que para isso seja imprescindível estarmos «in-loco».A experiência é importante, o conhecimento técnico indispensável, mas nada disto seria possível sem uma boa dose de perspicácia e sentido prático ao aplicar aquilo que havia sido registado fortuitamente.É verdade que a sua genialidade também contribuirá em grande parte.

Um grande bem-haja a João Rocha de Sousa:um artista em várias frentes!

Com um sabor de gratidão e admiração pelo tanto que se aprende consigo, abraço-o com estima e amizade,

Migueldela