Não estive lá. Não quero estar lá. Vi muitas e muitas fotografias da resistência dos habitantes da Tetchenia perante a guerra que os russos ali sustentam para garantir a sua férrea tutela sobre este país cuja identidade não cede aos bombardeamentos sistemáticos de artilharia pesada e ao sopro mortal que desce das nuvens pardas, estilhaçando bairros inteiros. Entre os resistentes, diante da sua cidade capital arrasada por completo, há sempre um remédio qualquer: tratarem dos feridos, organizarem a competência cívica, enterrarem os mortos e, na tarde de súbito silenciosa, tomarem um pouco de chá, trocando plavras, a sondar os seus corações. Numa revista americana, de belíssimo papel e luxuosa organização gráfica, deparei um dia com a imagem terrivelmente nítida de dois guerrilheiros deitados junto de uma esquina em pedra. Um dos guerrilheiros, a quem fora arrancada a perna direita, justamente abaixo do joelho, estava ali, assim, ajudando o seu companheiro. Ele sabia que o perigo não se encontrava atrás de si, mas ouviu os passos dos fotógrafos e olhou de soslaio, a cabeça voltada com certo esforço, dois olhos naturais e brilhantes como se pertencessem a outra pessoa, não a um recente mutilado, elementarmente assistido pelas suas próprias mãos. Nunca mais esqueci aqueles olhos e tudo o que pensei depois foi já dentro de mim, eu mesmo assumindo um lugar como protagonista da cena, do lado dos jornalistas, solidariamente na espera do verdadeiro termo daquele combate e daqueles homens. Pareciam cumprimentar-nos em jeito maquinal: «Ah, são vocês?»
segunda-feira, maio 05, 2008
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Um comentário:
tiomeu
estou feliz por saber que mais um livro seu está já cá fora. :)
Sei o quanto isso é importante para si... e para todos nós que o vamos lêr.
Lamento muito que neste País não lhe dê o devido valor.
Estou de fugida. Vim abrir esta edição para contemplar o seu último quadro, mesmo ao estilo de Rocha de Sousa anos 80.
Está cá a marca. As formas, o conteúdo, as cores,... Gostei muito. Nada poderei a acrescentar, pois não sou artista platica, desconheço tecnicas. Limito-me a dizer que senti o quadro no seu todo e que gostei bastante. Está lá o drama... o mesmo de sempre, infelizmente :(
E agora, tio meu, estou aqui nos meus afazeres que são urgentes.
até já
sobrinha sua :)Daniela
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