sexta-feira, maio 22, 2009
RECADO PÓSTUMO OU O MENINO DE SUA MÃE
quinta-feira, maio 21, 2009
«O ESTRANGEIRO», MEMÓRIA DOS LIVROS
olhar brevíssimo ao espelho.
Nunca sabemos quem procuramos
na falência dos dias
e no descuido de várias impaciências,
cedo ou tarde quando amanhace.
Na montra apertada do mundo
as horas não marcam o tempo
e tudo o que depressa arrefece
depressa o sol aquece.
Assim, na ilusão do espelho,
cada procura ansiosa do ver
se desfoca em suor e nos mente.
É gume ou faca.
Alguém grita sem língua nem boca,
de repente.
Olho suspenso,
agonia dele ao aviso aparente da lâmina,
estridência dos reflexos e do sangue,
tudo se exalta e tudo se recria,
inevitável,
responsavelmente,
Meursault respirando azul
ou um rosto que desconhecemos, baço,
e a cadência dos passos lassos,
surdos e quentes
e um brilho súbito
contra a paisagem
ou a areia incandescente
reflectida no olho suspenso.
O sol na lâmina, insuportável,
a faca faísca branca, o sol a pique,
e um tiro maquinal,
breve, seco,
sem alma nem razão,
tão absurdo como a realidade em volta.
Um vulto branco, tombado, talvez alguém.
Espuma dos dias, o mar de Maria.
Um ruído doce de águas, além,
e a espera, a natureza sem nome,
coisas, apenas coisas em volta,
talvez estilhaços do espelho
que nunca reflectiu nada
nem ninguém,
gaivotas voando em volta.
Um vulto tombado.
Um céu azul.
Areia clara.
A espuma do mar.
Quase nada.
Quase tudo.
sábado, maio 16, 2009
VISITAÇÃO DA VIDA ENTRE MEMÓRIA E FILME
todos nós somos heterónimos
de outros,
entre carros diferentes,
semelhantes ao andarem
sobre rodas.
Vemos o que julgamos
não ver.
O homem que escreve,
ouve os soluços
de alguém que se perdeu de si.
Um tiro na têmpora e acaba-se
o mundo.
Abutres, cabeças de bonecas,
figurantes da morte,
os carros são personagens
que estimulam o prazer
e a morte.
Em boa verdade,
nunca chegam ao fim
das estradas poeirentas.
A alma da vida
passa por isso, na distância,
bonecos misteriosos
e contraditórios
de um filme.
No filme,
o que reaparece, parece,
fala do nossos inconsciente
ou das imagens
esquecidas de nós em nós.
domingo, maio 10, 2009
CASAS EM RUINAS, SINAIS DE GENTE PERDIDA
sexta-feira, maio 01, 2009
DIA PRIMEIRO DE MAIO OU O DIA DA MÃO
Após o dia 25 de Abril de 1974, os cravos multiplicaram-se em todas as festividades e rondas da tropa. Ainda havia companhias de infantaria na sua quadrícula de Angola, Moçambique ou Guiné. Muito antes disso, em 62 e no mesmo dia, gente meio fardada e barba crescida agarrava nas armas automáticas e abria arduamente picadas quase escondidas no capim e nas matas dos Dembos, perto de Zala. No fim dos anos 40, em Portugal Continental, as armas jaziam nos quartéis da Guarda Nacional Republicana, homens duros, com mãos quadradas, que faziam o seu giro de vigilância a cavalo, um par de cavalos, dois homens pesados e lentos olhando para diante. Mas nesse tempo o 25 de Abril só servia para esperar pelo 1º de Maio, dia do trabalhador, ideia de uma esquerda longínqua, aliás proibida em todo o país. Os trabalhadores não trabalhavam e juntavam famílias em grandes barcaças, em rios como o Guadiana, o Arade, e outros tantos, a sul, levando consigo mulheres e filhos e farnéis, um ou dois harmónios, facas de defesa e sobretudo de dividir pão, fruta, febras ainda por cuidar. Rio abaixo, bem carregadas, lá seguiam as barcaças, entre risos e o tac-tac dos motores, água ondulando no movimento, canas partidas flutuando na traseira do mundo. Todos ancoravam nos pequenos portos das hortas, quintas bordadas pelos caminhos fluviais, cheirando a frutos e flores, moços e moças logo bailando ao pôr pé em terra. E por ali se acomodavam famílias sonhando com mais vida e mais cortiça, em particular no rio Arade, estrada que levava os fardos com rolhas até ao mar e aos cargueiros fundeados além.
Era assim o primeiro de Maio, dia dos trabalhadores, data emblemática da mão que os representa das mais diversas formas, agarrando coisas, acenando para longe. E cada vez o 1º de Maio foi principalmente um sonho, uma recordação, dia das mãos dadas como depois de Abril de 74, dedos agarrados à imagem do futuro, multidão nas ruas de Lisboa, mãos nas mãos, o abraço e o dedo apontado, cartazes, bandeiras, liberdades. Mãos. Nunca mais a mão solitária. Foi assim e já as armas aperradas no outro Continente baixavam canos e os soldados gritavam pelos barcos de volta. Mãos acenando no regrasso, como na partida, mãos retornadas em salvação.