Após o dia 25 de Abril de 1974, os cravos multiplicaram-se em todas as festividades e rondas da tropa. Ainda havia companhias de infantaria na sua quadrícula de Angola, Moçambique ou Guiné. Muito antes disso, em 62 e no mesmo dia, gente meio fardada e barba crescida agarrava nas armas automáticas e abria arduamente picadas quase escondidas no capim e nas matas dos Dembos, perto de Zala. No fim dos anos 40, em Portugal Continental, as armas jaziam nos quartéis da Guarda Nacional Republicana, homens duros, com mãos quadradas, que faziam o seu giro de vigilância a cavalo, um par de cavalos, dois homens pesados e lentos olhando para diante. Mas nesse tempo o 25 de Abril só servia para esperar pelo 1º de Maio, dia do trabalhador, ideia de uma esquerda longínqua, aliás proibida em todo o país. Os trabalhadores não trabalhavam e juntavam famílias em grandes barcaças, em rios como o Guadiana, o Arade, e outros tantos, a sul, levando consigo mulheres e filhos e farnéis, um ou dois harmónios, facas de defesa e sobretudo de dividir pão, fruta, febras ainda por cuidar. Rio abaixo, bem carregadas, lá seguiam as barcaças, entre risos e o tac-tac dos motores, água ondulando no movimento, canas partidas flutuando na traseira do mundo. Todos ancoravam nos pequenos portos das hortas, quintas bordadas pelos caminhos fluviais, cheirando a frutos e flores, moços e moças logo bailando ao pôr pé em terra. E por ali se acomodavam famílias sonhando com mais vida e mais cortiça, em particular no rio Arade, estrada que levava os fardos com rolhas até ao mar e aos cargueiros fundeados além.
Era assim o primeiro de Maio, dia dos trabalhadores, data emblemática da mão que os representa das mais diversas formas, agarrando coisas, acenando para longe. E cada vez o 1º de Maio foi principalmente um sonho, uma recordação, dia das mãos dadas como depois de Abril de 74, dedos agarrados à imagem do futuro, multidão nas ruas de Lisboa, mãos nas mãos, o abraço e o dedo apontado, cartazes, bandeiras, liberdades. Mãos. Nunca mais a mão solitária. Foi assim e já as armas aperradas no outro Continente baixavam canos e os soldados gritavam pelos barcos de volta. Mãos acenando no regrasso, como na partida, mãos retornadas em salvação.
2 comentários:
Una beleza este seu texto (corroborando um comentário que acabei de deixar em Desenhamento) misturando recordações, lembrando os valores de «Maio maduro Maio
quem te pintou
Quem te quebrou o encanto
nunca te amou»!
Interessante como a mão erguida simboliza uma esquerda que não identificamos normalmente com os EUA, e foi lá que nasceu o movimento do 1º de Maio!
Aceno-lhe, saudando-o por este texto de mão-cheia, João.
até breve,
Miguel
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