Palavras convocadas pela autora deste livro e com quem mantenho uma correspondência de reflexão e partilha de experiências, assim mesmo, num longo encontro que se tem mantido sempre no espaço virtual de uma distância carregada de viagens imaginárias, cada um de nós fazendo o impossível puzzle de nos conhecermos sem nos olharmos face a face. É um caso de reflexão. E a leitura desta obra fez-me sonhar com espaços e nostalgias que tantas vezes me assaltaram quando estive em Angola, numa guerra destituída da verdadeira história e à qual dediquei um livro. O afecto que partilhamos tem uma parte da sua natureza nesta revelação de um ao outro, contemprâneos e desconhecidos, fábula entretanto desenvolvida na obra escrita de cada um de nós. Todos os meus livros destes últimos têm sido lidos e avaliados pela Jawaa, uma voz certa e melódica tanto no seu blog como na passagem pelo sentido daquilo que escrevo, artigos, textos para livros, livros e ilustrações, memória da pintura que fui fazendo e através da qual trocamos opiniões sobre o mundo, o homem, a consistência ou inconsistência do ser.
Iria Augusta Cardoso é uma daquelas pessoas que se viram forçadas a abandonar Angola, em Setembro de 1975, na ponte aérea pela qual se garantiu o transporte de milhares de potugueses de Luanda para Lisboa.
Escrevi algumas linhas sobre o livro «Memória do Esquecimento» na impossibilidade de ir ao seu lançamento. Olhei muitas vezes para este desenho a cores, uma memória de outras narrações, fruto sensível e conceptual de alguns trechos que Iria me concedeu sobre a sua vida em Angola. O livro tinha sido terminado e eu, num repentismo encantatório, desenhei digitalmente aquela imagem, tanto quanto poderia parecer-se com a outra, com a verdadeira, e porventura numa África menos azul e mais baça pela humidade no ar quente, atrás de florestas e anharas, bichos supostos que assumem o mito, pois a pureza e a secularidade das famílias passa mais pelos pássaros, plantas, flores, borboletas, lentos rios a perder-se no horizonte.
«Se o tempo é o nosso pior inimigo, frase bem conhecida de Albert Camus, talvez se possa compreender melhor como qualquer esquecimento só acontece ao certo quando nos for possível ou inevitável dissipar partes da memória, ou toda ela. Mas, tanto quanto podemos avaliar, os acontecimentos narrados neste livro situam-se num tempo e num espaço onde, além da memória do real, há também, ou sobretudo, referências a factos verdadeiros.
A beleza desta obra, a sua força poética e a memória dos próprios sonhos, vogam acima dos espaços, por cima do mundo, resulta de olhares que olham aqui e além, e nos traduzem a voz interior de uma espécie de omnisciência — narração sem contornos aritméticos, ou lógicos, ou sequenciais.
Os factos, as imagens, podem esfumar-se mas não perdem, contudo, o contorno da verdade. Nem eles se apagam na sua condição histórica, passando apaziguadoramente à condição de perda, nem as eventuais fracturas de algumas cenas já brancas impedem a nossa travessia pelo sentido das coisas e dos seres.
do amigo, outra vez, João Rocha de Sousa