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domingo, abril 10, 2011

VIAGENS E GENTE NUM INQUIETO ACONTECER


LANÇAMENTO DO LIVRO: DIA 16, 18 h, Hotel Real Palácio,

rua Tomás Ribeiro,115 LISBOA


Os meus apelos sempre foram de orientação pluridisciplinar, quer quando lia semanalmente «O Mundo de Aventuras», riscando, pelas horas de silêncio, perturbadoras bandas desenhadas, quer quando escrevia, numa velha remington de meu pai, histórias mais ou menos tristes, entre postais ilustrados de palácios em ruínas. Fui, desde cedo, um amador de paixões e um fabricante de brinquedos alternativos. Haverá em breve oportunidade de ler este livro e reflectir sobre os modos diversos através dos quais a vida de certa gente (uma família inteira, por exemplo) se concentra e dissolve em planos de imagens inquietantes, a maior das nossas aprendizagens, sem métrica, matemática ou redutores automatimos. Há aqui, de certa maneira, histórias de vida, o enlace da nossa falsa inocência (em meninos) com a palpitação do desenho e do sonho, a chegada da razão e da consciência. Fio de escolhas, aliás, entre a infinidade das percepções enganadoras e os encobrimentos de uma privacidade inalienável.

Todos me foram dizendo, desde a adolescência, que os meus talentos apontavam para a pintura, embora eu soubesse que essa indiciação se confundia concretamente com outras viagens, outras famílias, um gostoso artesanato de escritas e leituras na base de Júlio Verne e Flamarion. Marte tinha canais, sim senhor, a Lua vivera um tempo de mares e continentes. Mal sabia eu que os telescópios desse tempo estavam apetrechados com grossas lentes para congénitas miopias. Não reparem no alinhavo destas notas. E devo dizer-vos que a fala deste texto, ao iniciá-lo, voa por uma sugestão mansa Vá devagar, mãe, como naqueles dias em que tudo parece lento, a chuva, até os sonhos, os seus passos. Ora esta tentativa de começar um filme doméstico, porventura tocado de impressivas memórias, acontece cerca de trinta anos depois dos longínquos dias dedicados à praia, solidões arenosas e gente ainda rara. O tempo, nesta obra, ocorre a quem escreve em termos de descontinuidade, porque, em idades adiantadas, só se pode calcular maturidades dedilhando comovidamente os laços antigos, sob a memória das equações ainda erradas mas já fascinantes. Por isso é que a mãe Maria morre numa data absurda, já a guerra se aproximava do fim e já a pastosa aprendizagem do desenho com paus de carvão, diante de cabeças em gesso, me segredava que esse deixara de ser o caminho do futuro. E um dia, perdido num comboio quase vazio, em que o tempo parecia lento e dissipado, a melancolia que Angola me cravara no peito atravessou comigo todo o Alentejo meio deserto, apesar de sinalizado, de longe em longe, por casinhas espalmadas no alto das colinas, donde os cães desatavam a ladrar contra a grande «anomalia» da máquina a vapor, fumegante, porventura ameaçadora, rolando majestática.


Uma simples frase retirada do corpo deste livro, pode gerar sentimentos, gritos para nada, sentimentos que atravessavam a história e pareciam decidir por ordem os devaneios festivos ou vidas e mortes ao acaso: Maria, descida à terra, abraçando os ossos que diziam ter sido retirados da urna já pôdre onde meu pai fora colocado e na qual se desfizera como no poema em que ele dizia ter o corpo preso à terra e via a sua alma voando de mundo em mundo. Como se vê, este livro é sobre um acontecer inquieto, arrancado à terra, à vida e à morte da família, onde se convoca pela arte os desentendidos destinos humanos, entre grandezas efémeras e gente mastigando desordenadamente, no limite do absurdo, a sua difícil condição humana.


Incapaz de perceber e viver a cidade grande, a verdade é que nas Belas Artes, ao contrário do que diziam vozes iníquas, nada nem ninguém me furou os olhos.

Um comentário:

Miguel Baganha disse...

Certamente que não faltarão passageiros com vontade de fazer esta viagem, João. Uma viagem ao centro do seu mundo e das gentes que aconteceram tão inquietamente (e ainda bem) dentro de si. Estarei lá, com toda a certeza, homenageando o homem, o mestre, o amigo por tudo o que fez, pelo tanto que o constititui como ser-humano.

Parabéns por mais um, amigo.
Até logo!