Engoli uma pedra esta manhã.
Pão de pedra, passos na hora.
Achei coisa de engolir depressa,
os passos partindo, nocturnos.
Mas depressa a coisa ficou presa na garganta,
nem pão nem pedra.
Falta-me o ar,
bebo água que logo retorna, inútil.
Meto os dedos na boca,
empurro o pão para o estômago,
pão ou talvez pedra.
É pedra, certamente,
mas incha como pão
e eu julgo estar prestes a vomitar,
entre pausas.
Deixo-me cair de joelhos,
apoiando o queixo no cano da arma engatilhada.
Que vem por aí, que respiração é esta?
A arma engatilhada,
os meus pés já enviesados
arrastados pelo chão.
De joelhos, sobre calhaus redondos e pretos,
a lua acesa por cima
da minha cabeça tombada.
Tenho ordem para matar,
Duros, os calhaus nos joelhos.
Dura, e já imensa, a pedra
tomando conta das minhas entranhas.
É urgente, raios, partir a pedra seja como for
e vomita-la.
Agoniado como nunca,
curvo a espinha
forçando o vómito
num urro interminável
como se me rasgasse em sangue
e a pedra solta-se, de súbito, ao contrário:
na avidez de me salvar accionara o gatilho,
e centenas de mais pedras entraram-me pela boca aberta
num estoiro imenso:
o tiro a que eu estava mandado
cumpria-se assim, invertido,
num brutal desmando.
versos de rocha de sousa e fotografias de maria jawaa