Eu não sabia nada de ti. Não gostei nada de te ver partir assim. Disseste que escrevias e eu fiquei à espera. Dias e dias de espera e saudade. Um dia sempre chegou o teu postal em que me dizias ter feito boa viagem e que tudo estava como devia estar. Escreveste tão pouco, meu querido neto. E no fundo das letras vinha uma espécie de carimbo, só com a palavra Afeganistão. Isso é terra ou é gente ou coisa pior? Ninguém me sabe dizer nada e eu vou ficar aqui, esperando por mais notícias. Uma vizinha deu-me a entender que essa coisa do Afeganistão não lhe parecia boa coisa. E então chegou a malvada carta da tropa em que me diziam ter morrido em combate, honrando o país. Qual país? Eu bem sabia que aquilo de África já acabara e que aquele Afeganistão não era boa coisa, não, bem dizia a pobre vizinha. Agora é isto. Agora tu sem seres tu. Veio cá um correio da tropa e trazia a urna de metal, pequena, de criança. Peguntou-me o homem se queria que deixasse aqui o corpo ou na Igreja. E eu perguntei num grito «Qual corpo?» E ele disse, levando a mão à testa: «O corpo do seu neto, morto em combate no Afeganistão.
Foi para dentro, fui ver como cabias ali, e não havia senão as tuas pernas dentro das calças e os sapatos calçados. Isto não se faz nem a um combatente. Vou fazer um velório florido, os teus restos repousarão numa urna como as outras, de madeira. E será nesse caixão que descerás à terra do nosso pequeno cemitério, honrado na morte e no gesto, como os demais.
Um comentário:
A imagem e as palavras registam um momento da vida de alguém que não deveria ter tido vida para assistir a isto.
Também aqui não há justiça divina - terá havido humana quando se procura o encontro com o Afganistão?
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