fotografia de Rocha de Sousa
Loja de antiguidades. Venda de Velharias. A fotografia é deliberadamente traiçoeira, um desafio ao nosso olhar e às memórias da percepção. Em boa verdade, este cenário não é habitado por objectos de uma antiguidade cara nem de velharias para devaneio de vários fingimentos épocais. É antes um cenário relativamente acanhado, armazém de um grande bazar onde se vende de tudo um pouco, objectos decorativos ou funcionais, de cozinha ou de sala, móveis com algumas décadas, pratos e centros de mesa, cadeiras, candeeiros eléctricos, materiais caseiros, instrumentos de cozinha, serviços de chá a fingir Limoges, faqueiros de há vinte anos, não mais, ferramentas ou caixas de pose ornamental.
Este embuste, aliás ainda virgem de vendas e numa casa honrada, está aqui, na reserva, para uma esperada venda. Tudo o que vemos ali (sem rigor porque o olhar nunca o foi) é constituído por objectos das mais variadas espécies, já com anos ou décadas, mas que nunca tiveram saída para o palco da loja principal, num bairro lisboeta, e ali continuam jamais usadas, jamais verdadeiramente vivas, à espera de que o seu desuso, de que o seu estado démodé, lhes permita aspirar a compra e a entrada numa habitação de família, "gente remediada" ou de "novos-ricos" a desejarem engalanar o seu habitat com coisas novas mas de traçado antigo, como foi moda vulcânica nos anos 60.
A bem dizer, aproximamo-nos do tempo em que nem sequer haverá casas com mobílias completas e ornamentos "assim-assim". Já duas famílias partilham um único apartamento. E agora até há uma campanha para que os estrangeiros ricos (angolanos, porventura) venham comprar as casas que sobraram da vertigem europeísta, já mobiladas, com piscina, 400.000 euros e limpas de complicações.