ANA HATHERLY
Sempre gostei da experiência poética, científica e vivencial, de Ana Hatherly. Não vou fazer a sua história e antecipar tanta saudade. Conversávamos muitas vezes, entre encontros de acaso no bairro onde habitávamos, Campo de Ourique. Ela oferecia-me os seus últimos livros. E, não há muito tempo, eu próprio fazia o mesmo, com obras minhas. Foi uma das poucas pessoas que me leu com surpresa e respeito. Era tentadora a experiência visual da sua poesia concreta, o modo de juntar o visível com a escrita, coisificação inusitada.
Mas, já lá vão muitos anos, Ana fez na galeria Quadrum uma performance que nada ficou a dever à da Gina Pane. Com os cabelos soltos e um traje colado ao corpo, Ana Hatherly enfrentou doze grandes painéis, erguidos em papel de cenário, começando gestualmente a rasgar as superfícies, entre ritmos apaixonados, lentos e de revolta, talvez na marcha de uma vida vencendo as barreiras ou abrindo a visão em profundidade. No outro dia, olhando os rasgões do túnel assim aberto, apetecia atravessar esse espaço, como ela fizera, entre as paredes desvendadas, reiterando a impressão de tudo, no maior dos silêncios, ou abrindo o imaginário aos símbolos e mitos da vida, pelo sulco dos "desastres principais",
guerrilha entre parênteses
ergue-se da constante chacina
procurando outra coisa
outra causa
o outro lado do ver.
Ana
Hatherly, O Pavão Negro (2003)
“Eros frenético” (1968),
“Anagramas” (1969),
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