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sábado, março 19, 2016

PENSANDO OS DESASTRES PRINCIPAIS


O mundo que nos cerca cada vez mais, por absurdo que pareça dada a esfericidade do planeta, é feito por si, do nada e do longe, e nele brotou uma gente que se espalhou por toda a parte e vive hoje um estertor tóxico e preso à miséria e à finança.
Neste texto escrevi 10.000 caracteres e o computador, por corte da internet que pago a peso de ouro, desligou (no ar...) e cortou o momento em que dava forma pública e publicada às tais dez mil letrinhas.
Depois da história do Homem e da Arte, do realismo e da "soma das destruições", havia escrito algo sobre estes quadros expostos na galeria São Mamede e que se intitulam, na generalidade, "Desastres Principais". Não sendo um ligamento ao minimalismo e à conceptualidade, este testemunho procura falar da actual condição humana, dos destroços que nos envolvem, dos aterradores sinais dos tempos, sob atmosferas que a Humanidade poluiu e as fendas que mostram corpos chacinados ou lixos incontáveis. Alguns títulos podem abrir espaços de leitura e a reinvenção do medo e da espera. A vida só tem sentido através da morte, mas a morte apaga num décimo de segundo 10.000 anos de risos e palavras, gritos ou ruídos absurdos.
Não é fácil perceber a vida e a sua estranheza singularmente através do olhar. O olho recolhe sensações, conta estímulos, move-se pelas incessantes armadilhas do visível. Partimos aqui do princípio que certas aprendizagens já se ligaram aceitavelmente no espaço relacionado da razão e da consciência. Então os encontros e misturas de sequências diante de nós podem ser atadas a padrões e nomeadas e reconhecidas em mobilidade ou paradas. Com meios tradicionais ou recentes, a nossa gestualidade interior, aliás ajudada pelo imaginário, procura apropriar-se de certas aparências, coisas, paisagens, rostos. Copiar rostos é impossível mas a nossa persistência é enorme. E assim se fez história com desenhos e pinturas através dos tempos. A Civilização cresceu, refiro-me à actual e que se encontra no ponto máximo do excesso, da conflitualidade e do desmoronamento. A percepção já nos avisou dos desastres principais, como aconteceu no fim da segunda guerra mundial e como se vê, entretanto, entre apoplexias do ódio e das degolações.
Nesta exposição não se copia nada: anota-se a morte dos lixos e os montes de destroços ou de restos de uma tecnologia veloz mas desinteressada da alma. Há restos de sentimentos por toda a parte, sinais ou marcas em bocados de membros, ou nada disso e antes certas alucinações que nos acometem depois do medo ou de uma amputação. Isso também se acolhe à beleza e é por isso que os artistas hoje podem misturar noivos antecipadamente mortos e noivas que nunca os viram. Ou cintilações do quotidiano, objectos abstractos de uma ida à praia, picos à superfície dos oceanos anunciando naufrágios, escritas de acaso, perdas sem nome. Em vez dos minimalismos e conceptualidades, esta linguagem retoma a vida entre a morte e os destroços. Entre a espera e os fumos que se concentram para matar todas as espécies de vida, o próprio planeta, deixando que uma pétala de esperança apareça em Andrómeda. Essa sim, é a verdadeira Ressurreição, embora Edmund Cooper a tenha renegado, fechando sempre o círculo da grande viagem sobre si mesmo, perante os mesmos desastres.

                                                                   
                           
              DESASTRES PRINCIPAIS OU RESTOS DE PALAVRAS




A MORTE DO NOIVO E O PROTOPLASMA DA NOIVA


       MUTILAÇÕES CIVILIZACIONAIS