Páginas

quarta-feira, junho 04, 2008

BELAS-ARTES E SEGREDOS CONVENTUAIS




JÁ FOI LANÇADO O LIVRO CUJO TÍTULO NOMEIA ESTE POST

E eram as pedras maiores, quase soltas das outras em redor, a responder ao tumulto das nossas vozes, provocandoo ressonâncias nos espaços descarnados, nos pátios e vastas escadarias, silhuetas sobrevivendo ao alto, de algum modo pilares de uma complexa arquitectura conventual que atravessara o horror de 1755 - Lisboa caída a seus pés, sob a imagem de inevitáveis fissuras nos espessos muros de várias frentes que o vento norte fustigava, as chuvas também, mais tarde a força renascida do sol e da luz branca cujo calor vinha de novo distender tudo em volta. Paulino esgueirava-se cedo, durante o Inverno, nessas noites começadas pouco depois das primeiras aulas da tarde. Cheirava a pano molhado, borracha húmida, e mesmo assim o pujante Firmino atravessava os lugares com o falto macaco aberto, os tornozelos nus, chinelos sem origem, cambados, chapinhando nos pequenos lagos formados entre as lajes ou na concavidae delas. Manuel fumava a um canto, à espera. Acácio aprofundava o seu mutismo, um cigarro suspenso dos lábios, os óculos redondos brilhando no escurecimento das horas, entre sombras que passavam a camiho do largo. Leocádia? FElismina avançava e detinha-se na ponta dos corredores, escutando alguma resposta através dos murmúrios e dos risos. A Rosa voltava para casa sem ligar a esses pormenores, tinha daqui a pouco de apresentar o gisado ao marido esformeado, além de tratar das suas pr´prias mazelas, pernas grossas bordadas de varizes, pêlos descendo pelo exterior das coxas numa hibridez sensual, a cama a ranger por cada banho de gel que ela aplicava ao enorme corpo ainda tocado de aparências carnais semelhantes às pinturas dos mestres senis. Cavaletes, meninas afogueadas, as batas sujas de tinta. Rosa puxava as saias, espalmava as mãos sobre as pernas, pensava no marido e naquela fome que ele lhe transmitia todos os dias. «Bom dia», aflorava a corda vocal do Aldemiro de cada vez que chegava ao nicho da porta da sala, fechando, atrapalhado, um enorme chapéu de chuva de doze varetas. Abertos, uns sobre s outros, esses objectos era postos a secar no vão anterior às retretes, pareciam bichos sombrios, de pele esticada e húmida. Alguém acendia logo o gás. Alguém puxava as cortinas. Passos sobrepostos, a mudez do frio, os primeiros cavaletes arrastados de forma ensurdecedora. Manuela? Helena? A rua do Carmo estava atolada de gente e lama que parecia brutar, eternizada, de dois postos de obras municipais. Os professores vinham de táxi, a maior parte deles, os novos candidatos pela Direcção Geral ao abrigo da reforma recente, já velha ao nascer, guardada no cofre do Paulino, sob abóbadas seculares e cheias de bolores. Leocádia?

Um comentário:

naturalissima disse...

Estou maravilhada com este livro, tio meu...
Ainda não acabei, pois o tempo é limitado para fazer tanta coisa quase em simultâneo.

Mas este livro é mesmo para ser lido e deixarmo-nos levar pela sua escrita, estórias, humores, dramas...

estou a adorar...
beijos
Daniela