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sábado, dezembro 27, 2008

AS ÁRVORES MORREM DE PÉ, AS PEDRAS NÃO

É voz corrente dizer-se que «as árvores morrem de pé». Em correspondência com esta sábia sentença popular, Maria Matos, ao que supoho ter sido o seu último espectáculo no teatro D. Maria, terminava a sua actuação na peça que fora intitulada com aquele título, olhando, muito direita, a quem devia olhar e, tendo bem assente a sua begala, a mão tremente. E dizia: «As árvores morrem de pé!»
Assim acontece com este eucalipto, cuja inclinação é aparaente pelo uso do plano contra-picado: viveu, com a sua habitual soberania, perto da margem de um rio. Os homens exploram este monumento vegetal, peimeiro mais pela ornamentalidade das separações territoriais, depois sem qualquer amor pela sua natureza algo arrebatadora: foi, até agora, o uso do eucaliptal, de crescimento rápido, poderoso de massa explorável, perverso quanto à sua insaciável sede em apreciávis extensões de terra à sua volta. Quandoa sua presença se inutiliza e a sua carne tende a ser cobiçada pelo mercado, as serras mecânicas vêm cortar, um pouco acima do solo, a peça cujo talhe terá as aplicações entretanto suscitadas.
Ao contrário, na imensa Amazónia, lícitos ocupantes da terra dedicam-se ao corte em vida de muitas árvores de grande porte, devastando por dia superfícies equivalente e quatro campos de futrbel. O cheiro da madeira sangrando é inebriante. Após o corte, um pequeno gesto da mão precipita a queda da árvore. Essas grandes plantas, sempre dignas na sua função revitalizadora do clima, tombam com enorme fragor, flagelamdo os ramos inteiros das suas congéneres em volta. São árvores que também se abatem, e ainda vivas, porque os seus assassinos, saindo de uma clandestinidade mórbida, assim delapidam patrimónios indispensáveis à vida na Terra, triturando cada pedaço de vazio para eventuais cultivos igualmente perversos.

Ao contrário, as pedras significadas pela modelação humana, vivas equanto coordenadas com outras nas grandes fachadas de palácios e mansões diversas, são menos poupadas pela fúria das batalhas (e até dos elementos naturais), ofercendo-se, na racionalidade das suas espirais, molduras ou capitéis coríntios, ao abandono no espaço, espalhando-se pelo terreno em redor, como se tivessem decidido engtre si um suicídio carregado de légica, de paisagem, de seculares esperas som um mínimo sopro de descfomdorto. As imagens uscitam algum entendimento desse percurso, dessa morte sem verdadeiro reaproveitamento, seres vindos do além, que contrastam com as plantas verdes caprichando em crescer à sua volta, por vezes enconrindo bocados de curvas, animais escultóricos, patas de leão lascadas sem remissão a altura do tornozelo. Um dia, depois de tempos, as pedras modeladas ainda poderão encontrar-se no mesmo sítio, cremadas por um al brasardor.
As árvores morrem de pé mas são abatidas pelo homem para ficarem à sua disposição, mesmo num mundo futuro e cinzento, quase sem vida, rodando no espaço segundo especiais diretrizes do acaso cóamico. Não gaverá então madeiras capazes de servirem para muletas, nem metais, nem oficinas apropriadas. As facas, pequenas ou grandes terão de ser de novo usadas pelas mãos humanas, rodadas, encravadas, apertadas por longos fios de pele de animal.
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fotos de Rocha de Sousa

domingo, dezembro 21, 2008

ANALOGIA, CONOTAÇÃO, IMAGEM, SENTIDO


Se a imagem visual pode sugerir uma simples transferência analógica da realidade para um suporte compatível, as imagens de um texto, são, por inerência dos sinais e do meio, compostos codificados, realidades dinâmicas e moventes, impulsos de conotação, espaços de decifração. A verdade é que estas últimas imagens, pela escrita que as forma, pelo enquadramento que as conclui, podem tornar-se mais difíceis de descodificar do que a sua correspondência na fotografia. As palavras e as imagens referidas a um mesmo modelo por dois observadores são sempre diferentes da mesma experiência assumida por cada um deles. A realidade de um modelo fotografada não se ajusta, de forma irrefutável, à narrativa escrita do mesmo modelo, ainda que o operador seja também o mesmo.
Mas há, por consequência, um conjunto de regras fixas, de modelos de ideias, para as explorações representativas nestas áreas de expressão e comunicação -- nem a imagem precede o texto, nem o texto precede. O sulco inovador da realidade poética -- abertura sensível aos significantes accionados, relação nova entre sinais, símbolos e metáforas -- é que marca, de forma indelével, os níveis da qualidade da construção proposta. Texto e imagem, em particular no âmbito pedagógico, surgem de uma conjugação profunda no próprio projecto dessa construção: escreve-se no jogo simultâneo da banda de imagens e de palavras possíveis.

quinta-feira, dezembro 18, 2008

FOTOGRAFIA MENTE TANTO COMO A PINTURA


A fotografia, mesmo a fotografia que procura (pela aproximação) expor a verdade do real, mente tanto como a pintura. Para exprimir esteticamente os objectos que olhamos de passagem nas horas do quotidiano, enfrentamos o problema de mentir para dizer a verdade que a todo o instante se esconde de nós. Posso olhar-me ao espelho e pensar em restituir a figura, com outra forma, ao plano a que chamamos da realidade. Mas a própria imagem ao espelho já não é verdadeira: o braço direito, no vidro, é legível como sendo o nosso braço esquerdo em projecção vertical. Eu penso que é pensável o pensamento plástico. (Francastel). Mas também penso no pensamento sobre o real, a despeito de todas as armadilhas e distorções que a percepção visual nos atira ao caminho das representações. A propósito de tudo isto, continuo a julgar que a abertura alucinante da arte a todas as formas de se configurar, invertendo imagens, inventando a mentira no interior da própria verdade, não está (nem deve erstar) inibida de se reconhecer na necessidade do realismo. É impossível copiar a realidade como se a cópia respirasse, para citar a célebre frase de Claude Roy a propósito de certos quadros de Picasso: «eles estão vivos porque respiram». É uma daquelas afirmações que nos faz, de súbito, perceber tudo. Como a que Magritte escreveu sob a representação ultra-realista de um cachimbo: «isto não é um cachimbo».
Tenho vivido sempre a dialéctica dessa equação: a de olhar para um trecho da realidade e não o ver como definitivo. Lembro-me sempre de um jarro que havia na minha casa, sobre uma mesa de abas móveis junto da janela, na cozinha. Quando entrava naquela dependência pela porta do quintal, o jarro poderia estar posado com a asa para o meu lado direito, a mão tocava-lhe com imediata facilidade. Mas quando entrava pelo lado da «copa», a mesma posição do jarro era-me dada com a asa para a esquerda, o que, sendo eu destro, me obrigava a uma escolha mais complicada: ou usar a mão esquerda com mais cuidado, ou usar a direita, movendo-me para a ter pelo menos de frente para o arco de vidro e poder manejar o objecto, em segurança, com a mão direita. A visão indicia, de facto, certos comportamentos, ajuda-os ou compromete diversas evidências.
Nunca me ocorreu uma ideia apenas ligada à natureza do real e por isso não me espantava nada com os desenhos lógicos (ainda não reféns da percepção) que os meninos da escola realizavam como qem escreve. A vida que desejamos aprisionar no sentido de um quadro ou de uma escultura escapa quase toda para um espaço invisível e dela fica-nos apenas nas mãos a sujidade das tintas e na tela a pressa aterradora da imagem que já não pertence a ninguém.
Tudo isto por causa daquele copo com água, do qual ía beber, e agora, fotograficamente, não passa de uma transparência. Vou à cozinha buscar outro. O jarro ainda está fresco, a água pronta para usar com as mãos e a boca, a asa de vidro voltada eficazmente para a direita: se entrar pela porta do quintal.