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Olha para mim, pequena, os meus olhos estão atrás desta máquina. Olha bem para este vidro, o teu rosto está dentro dele, a olhar também para ti. Assim, ficas esperta e com o medo do teu estrabismo. Vieste à praça? Vieste com a tua família? Vives além no cerro, aquele do moinho em ruínas? Agora podes conversar comigo, já consegui meter aqui dentro o teu retrato. Queres ver? Espreita para esta janelinha. Aquela menina és tu. Claro que sim. Não, fica tranquila, eu só copiei a imagem da tua cabeça. Pronto, eu sei, nunca vista a cabeça dentro da máquina. É verdade. Esta engenhoca é diferente, mas não rouba o rosto ou o corpo de ninguém. Passo a mão pelos teus cabelos encrespados, não sentes? Não desapareceste do teu lugar, estás inteira, aceitas o meu abraço, queres olhar outra vez para o vidro. Aí estás tu de novo. Abana a cabeça, isso, de um lado para o outro, e lá no vidro é como num espelho. Quando sais do espelho a tua cara não permanece dentro dele. Além de não ser máquina, não tem mais nada para registar. Agora, este vidro redondo, que se chama lente e pode reflectir imagens, está a funcionar mais ou menos como espelho, perto de ti, e tu não voltas para dentro da máquina porque eu não toquei nestes botões. Espreita a janela, cá atrás. Não está nenhuma menina como a outra de há pouco. É tudo a fingir.
Ela riu-se, desviando o corpo, limpando as mãos suadas ao tecido da saia. Olhava-me de lado, começava a afastar-se. Tinha pena, queria saber mais, mas o pai, cigano do cerro, estava na tenda, além, meio deitado numa cadeira de lona. Ele quer sempre os filhos por perto e de resto há pouca gente na feira, mais na praça, os gritos de oferta e chamamento perdem-se no ar, voam com os pombos para as frestras abaixo das telhas de vidro. Fogem, os gritos, logo acompanhados por outros, entre as hortaliças e a bancada do peixe. A menina cigana ainda me olhou de longe, o dedo na boca. Talvez tivesse percebido que eu não sou um caçador de cabeças. Registo, com doçura, imagens sempre bonitas de rostos sempre vivos, olhos nos olhos.
3 comentários:
Uma foto belíssima!! Beijos.
Bonito encontro.
Delicada troca de olhares para além de um registo fotográfico. Um toque de comunicação de grandeza humana. Bela lição de como é tão fácil fazer sorrir outro ser. Basta um simples clique olhos nos olhos para fazer a diferença.
maravilhada, eu
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