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quarta-feira, dezembro 23, 2009

PINTURA ARRANCADA AOS LIXOS URBANOS

pinturas de rocha de Sousa (2009)
desenho digital, seguido de técnica mista


Voltemos transitoriamente à pintura, aquela que se faz com matrizes digitais e se transforma, por diferentes meios directos e indirectos, em obra plástica mista sobre papel. As configurações podem não ter relevo estético muito apelativo e obrigar a leituras decifrantes, intermitentes, sem verdadeiro feed back. É um risco de todos os processos de comunicação pela imagem, mas é também uma conquista no campo expressivo, pluralmente liderada, segundo uma infinidade de projectos, de despojamentos, de apagamentos e recomeços. No meu entendimento, todo o ruído do experimentalismo ao longo do século XX, deixou marcas, sequelas, suicídios consumados. Nenhuma batalha se faz sem feridos ou mortos. Por este caminho demoradamente em catarse, os gritos e os silêncios haveriam de deixar impressivos efeitos sobre a evolução dos modos de formar ou os segredos dos grandes mestres da Renascença, para não citar outros, de outros tempos, de civilizações mais recuadas. A arte foi submetida, pela vontade sensível e pelos fenómenos do registo mecânico, a uma reflexão sobre a sua verdadeira natureza, possível autonomia, se estava ou não largamente infectada pelas indumentárias, riquezas de habitat, projecção de ornamentos, efabulações do ver e do delírio. Pelas conclusões das análises intensas e radicais, depressa se argumentaram os caminhos da simplificação, despojamento, limpeza do acessório. O princípio parecia legítimo. Mas não absoluto. E, com efeito, mal se chegou ao minimalismo da linha solitária sobre a tela ou do corte desesperado, num só golpe, ao centro da própria tela, acto liminar de Fontana, logo a moda subverteu o modo. Mas o homem não é simples, nem por fora nem por dentro.
Ele cumulou em si mesmo milhares de finas orientações, desejos e sonhos, todo um corpo, hipoteticamente belo, que se deformou com o seu destino perecível, interrogado por pincéis perversos ou lúcidos como os de Bacon, Goya, Soutine, Munch, entre muitos outros e até aos exorcistas que se serviram das máscaras africanas.
Quando a última depuração esvaziou a tela, sugerindo um ponto final de difícil inversão de marcha, o milagre aconteceu, os homens reivindicaram a riqueza do seu elemento cultural: e, embora não recuperassem os panejamentos do barroco, as distorções do expressionismo, utilizaram de novo os pincéis e os pigmentos, sem perder de vista novas ferramentos, como a fotografia e a informática. O Hiperrealismo, disseram alguns, foi um episódio sem importância nem verdadeira profundidade ou questionação. Mas, como sempre se tem verificado, não é bem assim: os hiperrealistas colocaram-se à frente e atrás dos realismos de cunho expressionista, e o gosto pela pintura em si, de novo comprometida, foi reaparecendo um pouco por toda a parte, a retomar caminhos já trilhados: pintar exigia outra vez uma paixão avassaladora, cujos impulsos se carregavam do sentido do métier, em certos instantes convocando as escritas da inocência ou da infância. O acto de representar, mais ou menos artilhado com novas próteses, voltou a inundar os espaços onde a pintura se pensa, expõe e se manifesta. E a verdade, apesar de algumas excepções alucinantes, as técnicas, apoiadas ou não, mostram agora o prazer de todos os recomeços. E as formas ressuscitaram para esse domínio pujante com o seu carregamento de garatujas e olhares de Rembrant. As duas coisas passaram a poder coexistir no mesmo espaço. O nosso desejo de visitação de todas essas manifestações permite-nos vereficar a mutação das figuras, justamente porque, entre o dom reconquistado da escrita primitiva, cada vez mais as telas estão povoadas de muitas coisas vindas do real ou da infância, óbvias, enigmáticas, ou anunciadoras do futuro. Podemos assinalar, num caso, «esta figura corresponde ao número 3». Depois não sei: «talvez certos círculos me lembrem os bonecos do meu filho, quando era muito menino. E ali, à direita, reconheço um bicho rastejante, visto de cima, e certamente uma velha casa, de madeira, meio arruinada. Então poderei deduzir vários tipos de lixo, talvez voando, à esquerda, uns após os outros, como fotogramas de um filme amador em Nova Orleães.

3 comentários:

Miguel Baganha disse...

A evolução da arte, assim como o conceito da própria arte em si, só existe na cabeça do Homem. Mas, efectivamente e partindo desse (único, já que não conhecemos outras espécies) conceito, a evolução foi feita através dum processo longo, onde o artista se teve de se adaptar às circunstâncias.

Relativamente a este facto, que verdade nos dá a arte?, qual a sua posição? e porque é que existe alguma coisa em vez de nada?... Talvez o Homem esteja a chegar ao final de um ciclo, e a vontade de regressar seja a única alternativa ao tal suicídio.

Estou baralhado.
Um abraço.

Anônimo disse...

Parabéns Professor, sempre com a sua plasticidade extraordinária. Muito bonita a tela de cima Um abraço do pintor, ex aluno e colega A.Trindade

Anônimo disse...

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