O Papa. Do Papamóvel. Com as suas insígnias no avião em que voa e em que chega. Nas visitas. Portugal deve ter aumentado a dívida. Mas os meninos ladinos, portugueses em geral, mesmo laicos e um pouco estouvados, estão a correr para o Terreiro do Paço. Paço engalanado e uma missa para 200.000 pessoas. É uma grande honra a gente poder gastar assim quando o Iva vai para 22%, valha-nos o Santo Padre João Paulo II. Muita gente lamenta aquela deliberação, em 1537, no papado de Gregório VII, sobre a obrigatoriedade do celibato para todo o clero. De acordo com a lei canónica, e desde então, o voto de celibato considera-se quebrado quando o padre se casa, mas não necessariamente quando este tem relações sexuais ocasionais. Viviam à larga, os senhores da Igreja, Papas, Careais, Arcebisbos, Bispos, toda a grande infantaria dos padres. Ainda foi muito tempo para os mais precisados casarem ou terem amantes sem poluir o nome de Deus. Ouvi histórias do alto clero, incluindo, pelo menos, um Papa, que me deixaram atónito pelo avanço dos costumes. Quem é que fez a história dessa época inebriante, entre genealogias esquisitas? Quem descenderá de um papa Alexandre, cuja numeração esqueci? E havia um estranho gosto pelo incesto, não só na Igreja, está bem de ver, e há filmes ingleses (made in BBC) que tratam sem pudor e com grande galanteria esses comportamentos «desviantes», casais irmãos, luxúria entre brocados e prataria. Os ingleses são sábios, ficaram com a Igreja que resultou do Cisma, mais decoro, mais minimalismo, mais cânticos, e um certo acréscimo de fantasmas, meninos, meninas e velhos enterrados nos jardins frondosos das belas Quintas fortalecidas, cheias de torres e sótãos escabrosos, lindíssimos, para tralha menos usada e encontros romanescos.
Mas deixemos isso. O Papa Bento XVI, em visita a Portugal (neste momento está a descansar), esse sim, é a ele que devemos indagar, questionar, louvar eventuais sorrisos. É tímido, dizem. Gostaria de ter ficado o resto da vida a estudar. Talvez lhe ocorresse rever a tardia atribuição à mulher, pela Igreja Católica, creio que por volta do Conílio de Trento, de uma alma. Dantes, embora pertencesse a uma qualquer burguesia, era de condição biológica e teosófica praticamen-te igual a uma cadela, a uma gata doméstica. E todas estas circunstâncias, na contingência mental de padres e povo crente, foi rebolando pelos séculos e até se instalou, radiosamente, na estrondosa basílica do Vaticano, S. Pedro. Hoje, o luxo é maior, mas o poder menos político, com manchas de sujidade sobre os livros do Vaticano II. Quando se ouviu falar num Papa ainda novo, que tomava banho na piscina daquele pequeno reino palaciano e dizia que a missa tinha de ser dita de frente para os fiéis, muita gente estremceu de medo; mas a maioria viu ali um homem igual aos outros, com funções difíceis e diferentes, mas capaz de rir e apontar escolhas. Depois envelheceu e julgo que o canonizaram. Não sei se era excepção para tanto. Mas penso, quer nele quer no actual Papa, quando penso no que lhes terá passado pela cabeça ao escreverem encovadas encíclicas, aparentemente sobre problemas humanos profundos. Porque, em verdade, nada daquilo é para o comum dos mortais. Onde está o estudo capaz de tocar nas razões humanas e espirituais que aconselham o fim do celibato? E as mulheres, além de freiras, misseiras e figurantes dos grandes espectáculos perto do Coliseu, em Roma, ou no imenso terreiro de Fátima, onde se acomodou a maior basílica do mundo? Podiam fazer um pouco mais, não é difícil imaginar, conferindo-lhes funções de fundo, de partilha e acompanhamento dos seus irmãos e irmãs.
Em pleno século XXI, o que faz com que o homem mais poderoso da Igreja Católica, sobretudo Romana, mantenha, sem pudor nem razão, estas viagens de chefe de Estado, esta pompa descabida na memória das crianças abusadas por padres, moda em curso, além das vestes desenhadas de propósito, cadeiras novas, rcintos espectaculares, liturgias sem nexo, roupas ou paramentos sem austeridade, num teatro imperial, dois dedos em riste? A Igreja possui belos templos, e os países também, todos usáveis por um Papa que viesse de longe, sem farda, nem dourados, um pouco à maneira de Cristo, carismaticamente solto e breve, vestindo tecidos brancos. Não era mais decente, mais avançado, que não se usassem senão os equipamentos que existem? A missa poderia ser nos Jerónimos. Quem não coubesse veria a cerimónia como vão ver aqueles que não couberem no Terreiro do Paço. E um debate na Universidade, sobre o celibato, o papel da mulher, o planeamento familiar, as questões da homosexualidade, como lhe reconheceram direitos iguais a outros, aos heterosexuais, porque razão a liturgia não se simplifica e não dialoga mais em cerimónias lavadas, naturais, despojadas de passos, reversos e anversos? São tudo temas para uma visita rica e pedagógica, com abordagem da pedofilia e de outros maus jeitos da Igreja dos nossos dias. Tantos estudiosos, teólogos, dirigentes de importantes departamentos religiosos, e nenhum rompe com a castrante imobilidade das regras? As igrejas actuais padecem das maiores distorções e competições bárbaras, umas vivem em luta, misturadas com o poder civil, arrasando povos com a sua feroz leitura da chamada voz de Deus, incapazes de se tornarem reserva da paz, da reflexão, do convívio. E outras ainda praticam o genocídio. Encher Fátima com um milhão de peregrinos não pensantes, em martírios de promessas fúteis, comoção transitória ou rezas pelo fim da violância doméstica, outro problema a que os verdadeiros encontros deveriam legar ponderadas perguntas?
Em face da grandeza dos preparativos para mais esta visita do Papa, um velho «sem abrigo» andou uma boa meia hora a fazer a sua declaração de princípio. «O Papa deve empobrecer»
4 comentários:
Um dia até os religiosos fanáticos falarão com embaraço sobre os tempos de crença fútil. Mas enquanto esse dia não chega, a Igreja continuará a servir-se da bonomia dos "fiéis" para enganar multidões, e a si mesma, "chamando milagres às coisas boas" e "atribuindo explicações para tudo o que é mau".
Se Martinho Lutero fosse vivo, certamente andaria por aí como um sem-abrigo e diria: «o Papa deve empobrecer».
Tudo se reforma. Até a Igreja.
Corroboro todas as suas palavras com o dedo apontado para a verdadeira EDUCAÇÃO que continua a não haver. Falam do fanatismo dos Muçulmanos, o que poderá dizer-se disto? Aqueles ainda são pela prática do que consideram bons costumes, aqui é pela bajulação à riqueza.
Um desrespeito.
Uma vergonha.
Ontem, entre a agitação das multidões e o fumo das velas nem pude ver direito a ilustração deste belo post. Hoje, com o fumo quase dissipado e sozinho no recinto, encontro uma imagem bela feita com retalhos de imagens perdidas e feias.
(apetece-me pronunciar o f de forma estranha)
A fealdade de uns é a beleza de outros.
Um abraço, mestre!
Postar um comentário