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quarta-feira, junho 23, 2010

AS LETRAS E AS ARTES, PRÁTICA E EDIÇÃO

tácnica mista rocha de sousa

Esta espécie de ilustração foi trabalhada em pintura, fotografia digital, colagem e fecho. Irá recobrir uma boa parte da capa de um livro. Trata-se de uma edição de Maria João Duarte, a partir da sua tese de doutoramento. Este livro será apresentado como qualquer outro, mas não deixa de apresentar conteúdos ainda hoje bem pertinentes: a oposição à ditadura, em Silves e no Algarve todo. O núcleo físico onde «decorre a acção» é a cidade de Silves, muito traumatizada pela PIDE e em face (nos anos 50/60) dos núcleos políticos emergentes na indústria da cortiça, ali onde se concentrava o maior centro produtivo do mundo, na transformação e exportação. Fui testemunho desse esplendor e dessas tensões, quando o governo passou a exportar a cortiça em prancha, logo que tirada das árvores, ofercendo ao estrangeiro uma riqueza em bruto para manejo bem lucrativo. Os donos das terras de sobreiro enriqueceram ainda mais, os trabalhadores ficaram mais ou menos ao Deus dará.

O livro chama-se «Silves e o Algarve, uma história da oposição à ditadura». Esta imagem, partindo de muitos dados visuais de Silves, nos seus diferentes aspectos, multiplicados e reassociados, entrecruzando-se numa atmosfera de quase ruína, tarde vazia, gente recolhida, monumentalidade de restos das fábrica -- e, sobre tudo isso, contra o céu, uma insólita visão que absorve a metáfora sobre o lado monstruoso e vigilante de algo que nos amordaçava, prendia, e por vezes fazia desaparecer. Hoje o sonho é claro, e as ruas não têm este clima terroso dos anos 50. A autarquia tem dotado a cidade de uma panóplia de bens e serviços aceitáveis. A memória dos patrimónios antigos convive com a arquitectura da zona histórica e da baixa em termos urbanos e lúdicos, junto ao rio. Obviamente, já não há as grandes fábricas de cortiça, nem os 6.000 trabalhadores daquele tempo, nem sequer a Câmara pôde segurar o excelente museu da indústria cortiçeira, obra museológica de importante sentido divulgador e pedagógico, premiada internacionalmente. Esta cidade, aliás, padece de coisas ainda sinistras: reconstruiu um teatro dos anos 20, há cerca de um ano fechado; adaptou uma edificação de marcas arabizantes como Institudo Superior de Estudos Árabes: faz algumas exposições e está às moscas, apesar da sua beleza e do seu aprazimento. As modificações da margem do rio Arade funcionam, como as psicinas e as instalações para feiras industriais, comercias, ou da agricultura. Ninguém pode imaginar verdadeiramente a que degradação chegou esta importante cidade da memória árabe e do sorriso que conquistou, entre omissões, nestes últimos anos.

Um comentário:

jawaa disse...

Mal abri este espaço, olhei a imagem e pensei: bela capa de um livro.
Não me enganei.
Está de parabéns a autora do livro que soube encontrar o artista certo para a obra perfeita.