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sexta-feira, agosto 27, 2010

DO DILÚVIO ÀS LAMAS ASSASSINAS E ETERNAS

cheias diluvianas no Paquistão

Já não sobra tempo
para limpar toda esta lama.
Donde vem tanta água, tanta lama,
agora que as ondas do mar
foram devolvidas ao oceano?
Talvez do céu mudado em metano.
A demorada persistência dos fumos
parecia clamar pela chuva como salvação
e alguém respondeu a isso com mais lumes.
Chuva de lama, enfim, a cair sobre a terra,
Sobre cada serra,
e milhões de pessoas vivas
assim sepultadas, sofridas,
ou submersas,
imersas
no pântano imenso
em que o mundo se tornara.
Oratória do medo mais intenso,
além das guerras e de outras mortes,
outros corpos apodrecendo então
por todos os declives de encostas fortes
até ao apagamento de todo o chão.
Silêncios rasgados.
Rumores pressentidos.
E ainda corpos descarnados em velhos jardins,
talvez nos sítios encobertos onde floriam giestas
ou mesmo nos poços plausíveis das florestas
entre o zumbido dos insectos carnívoros
que sempre ali haviam permanecido,
além de todos os males do homem afinal vencido.
Gárgulas sangrando, desertos e gargantas,
caules mastigáveis, suco escasso de plantas,
tantas,
todas, quebradas, quase secas.
O destino destes povos, de quase todos os povos em volta,
decide que sejam soterrados, sem revolta,
o mar por cima,
a terra também,
como as cidades estilhaçadas
e os caminhos e os animais,
esgotados,
apagados,
vivos nunca mais.

fotografia de rocha de sousa

2 comentários:

Miguel Baganha disse...

A excelência de um belo poema flutuando à superfície das trágicas "lamas do mundo".

Um abraço

jawaa disse...

Derrotista e nostálgico este belo poema a ver adiante.
Talvez esteja determinado o fim de um ciclo, talvez não haja retorno.
Não tenho a certeza.