Já não sobra tempo
para limpar toda esta lama.
Donde vem tanta água, tanta lama,
agora que as ondas do mar
foram devolvidas ao oceano?
Talvez do céu mudado em metano.
A demorada persistência dos fumos
parecia clamar pela chuva como salvação
e alguém respondeu a isso com mais lumes.
Chuva de lama, enfim, a cair sobre a terra,
Sobre cada serra,
e milhões de pessoas vivas
assim sepultadas, sofridas,
ou submersas,
imersas
no pântano imenso
em que o mundo se tornara.
Oratória do medo mais intenso,
além das guerras e de outras mortes,
outros corpos apodrecendo então
por todos os declives de encostas fortes
até ao apagamento de todo o chão.
Silêncios rasgados.
Rumores pressentidos.
E ainda corpos descarnados em velhos jardins,
talvez nos sítios encobertos onde floriam giestas
ou mesmo nos poços plausíveis das florestas
entre o zumbido dos insectos carnívoros
que sempre ali haviam permanecido,
além de todos os males do homem afinal vencido.
Gárgulas sangrando, desertos e gargantas,
caules mastigáveis, suco escasso de plantas,
tantas,
todas, quebradas, quase secas.
O destino destes povos, de quase todos os povos em volta,
decide que sejam soterrados, sem revolta,
o mar por cima,
a terra também,
como as cidades estilhaçadas
e os caminhos e os animais,
esgotados,
apagados,
vivos nunca mais.
fotografia de rocha de sousa
2 comentários:
A excelência de um belo poema flutuando à superfície das trágicas "lamas do mundo".
Um abraço
Derrotista e nostálgico este belo poema a ver adiante.
Talvez esteja determinado o fim de um ciclo, talvez não haja retorno.
Não tenho a certeza.
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