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terça-feira, abril 26, 2011

UM MILAGRE INDUZIDO COM SAPOS E RATOS







Desandavam os céus no início da tarde.
Um sapo fora arrastado até ao tampo da mesa.
Deixou-se esticar e crucificar na madeira seca
e adormecer com o perfume do clorofórmio.
Cortaram-lhe o peito, fazem ranger a matriz do osso,
e várias pinças puxaram, em simetria, o manto da pele,
afastando para cada lado as duas abas da caixa torácica,
e daí a pouco jé se via o pequeno coração a bater,
grande pulga arroxeada, aos saltos, viva,
e ninguém sabia dizer donde vinha aquela energia,
quem segurava o ritmo e reforçava magias
com o fim de o observar vivo.
O olho do saber,violando a sua privacidade,
recebera apenas orientações para observar o pulsar da vida.

Quando o coração parou
e ninguém mais o conseguiu reanimar,
alguém disse, sem a menor compaixão:
podemos estudar na mesma,
mal se imagina quantos ratos cobaia falecem por dia,
carregados de tumores implantados,
intoxicados por vacinas em análise,
as fémeas esventradas aré ao seu pequeno útero,
sós como nunca,
e assim sempre usadas, para, entre outras veleidades,
permitirem ulteriores trabalhos, não para confirmar a morte,
mas para que deles se refaça, à escala dos homens,
o milagre da ressurreição.

2 comentários:

Miguel Baganha disse...

Entre as desumanidades reveladas, induzidas com sapos e ratos, eis que nasce o verdadeiro milagre do Homem: a consciência humana.

Belo e criativo, o poema.

Até já, mestre.

jawaa disse...

O Homem cresce violentando os mais fracos, usando-os e ultrapassando os limites. Por isso vai pagar uma factura elevada.
Inusitado o poema, não o tema ou as imagens. Gostei de ler.