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quinta-feira, agosto 18, 2011

PELA ESPUMA DOS DIAS OU O BANHO A BRINCAR


Sem vontade de nada, para nada, nado na banheira cheia.
Braços estendidos ao lado do corpo,
ondulando para cima e para baixo,
ora devagar, ora mais depressa,
flocos de espuma com a lógica da sua leveza
a descer, lentas, como pedaços de nuvens rendadas,

Agora formou-se tanta espuma
que o teu corpo até pode esconder-se:
aí ficas por instantes, a respiração suspensa e os olhos fechados
contra o ardor desse mundo de brincar,
dedos depois em voltas de ajuda.

A água e o sabão escorrem pelo corpo já torto,
respira e abre os olhos,
ao contrário escorres tu antes de poderes ver,
antes de poderes abrir a boca, Antes de soletrares o real
limpo da espuma dos prazeres breves, Vidros, mármores e cromados.
Um espelho cheio de bruma, sem ti, coberto de espuma e perfume.
E rios árcticos como rachas estampadas no Universo.

Enfim, desta vez és tu quem quer sair da submersão,
agarrar o cromado e a torneira em falta,
procurar a âncora pendurada já sem argola nem sinal.
Sem nenhum prumo auxiliar no escuro da espuma,
nem espelho em volta na volta da moldura solta.
E um pé desliza para longe, o outro também,
a cabeça a cravar-se na pedra e no metal atrás,
onde se aquece a vida e a chuva
quando nos molha de acordares.
Ficas imerso e acompanhado desse ruído borbulhante
no súbito silêncio da tua boca.

Olhas para mim, emergindo, mas já não olhas de verdade
e a tua boca começa a encher-se de espuma
como se estivesses a engolir nuvens.

Um comentário:

jawaa disse...

A poesia ronda no seu melhor, iniciada já no outro post, a garantir que nem só a forma faz de nós poetas.
Um abraço