Não há diabo que chegue às paredes de pedra desta paisagem nem mestres do espaço que saibam como chegar bem perto dos montes, estes corpos sem nome. Então como se olha para uma pintura assim e se desenrola as suas aparências na complexidade do ver? Muitas vezes, no sonho da consciência, o apropriação de cada olhar tende a não desaparecer da mobilidade envolvente, tende a fixar-se na percepção visual, coisificando ou corporizando a imagem vista. É por isso que obras como esta, pintadas ao computador, e parecendo integralmente peças de cavalete, sobre tela, nos convocam para estranhas viagens no subconsciente, puxando fios e trajectos estranhos, atravessando duas dimensões para o domínio da perspectiva, para a distância impossível que desafia os nossos passos, o tempo, a distância sem marcas, apesar das duas partes que nos avisam de um céu terroso, com nuvens de pedra, e montes em baixo, talvez menhires, talvez afinal um sopro de certa gente de outrora, modelações empíricas como na Ilha da Páscoa ou aproximações megalíticas, de grande escala, aos deuses obscuros que povoavam um céu rastejante e pousavam por ali, devagar, ao jeito dos gigantescos mamíferos alados do tempo em que o homem ainda rastejava numa procura incerta da sobrevivência. Um dia chegou a dominar o território, esta estranha simulação de montanhas, expressão ou arte de alguém anterior ao próprio tempo após o primeiro glaciar, chuvas diluvianas a modelar rochas e lamas, lodos e lagos com margens curvas, máquinas de ninguém atravessando o céu por cima da rocha enfim modelada, musgos surgindo, a brisa e a luz dourada, depois a sombra e uma noite meio castanha, blocos rolando e tombando como velhos balões rasgados e cada vez mais amolecidos antes de atingirem o chão com um fragor explosivo, factos de outras visitas os planetas no acaso de trajectórias impensáveis. Esperem, monstros amigos, pelas máquinas: faltam milhões de anos para elas atravessarem as montanhas com túneis rangentes. Esse será o tempo cego das civilizações, ou aquelas que moviam pedras de 14 toneladas pelo encantamento de um simples dedo, erguendo pirâmides avassaladoras, ou as que se faziam entre guerras imensas, que tudo devastavam em largos espaços onde a vida acabaria convertida à grave pausa dos mais remotos insectos.
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2 comentários:
Uma belíssima pintura que nos caracteriza no mundo actual: alienígenas.
Eis como se lê uma pintura, a pintura do mundo real e a do feérico. Ponto.
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