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sábado, janeiro 05, 2013

ABOMINAVELMENTE OLHANDO O VISÍVEL E PINTANDO O INVISÍVEL

pintura digital de Rocha de Sousa

Abominavelmente parece um pouco excessivo, embora corresponda a um estado de olhar, de ver e de representar que começa e culmina ao longo de um caminho exaltante e muito perturbador. Ainda que haja quem se sinta em estado de júbilo ao pintar, vendo ou mesmo no limite da cegueira. É que não vemos nada do que olhamos e não vemos nada do que decisivamente constitui a realidade. Paul Klee apontou-se o véu de um exemplo. A Arte não reproduz o real, torna-o visível. Parece assim que, em boa verdade, olhar pertence  às funcionalidades do viver,  incluindo ver e pintar, mas que a maior consistência das coisas se situa para além das aparências. E que a criatividade é um processo de descoberta para além do sentir corrente, abre-se à memória, ao imaginário, às linguagens do ser, passando mesmo (talvez sobretudo) pelo domínio mais encoberto dos sonhos, misturas em certos casos dantescas da vulgar paisagem e de colossais ou inquietantes visões que o real nunca nos fornece em termos de quotidiano. Por vezes, a Natureza rebela-se: são os dilúvios e as catástrofes mais extensas que arrasam populações inteiras. Nada que o Homem, em grupos armados, não seja capaz de produzir.
A luta que o artista trava perante o real e perante ele mesmo, isso é um abominável e fascinante destino civilizacional que antecipa vidas estranhas, inimagináveis, revoluções orgânicas e, com alguma frequência, a anunciação da morte. Chirico pintou uma praça relida em Freud, onde as sombras são ameaçadoras mas contra as quais, inocente e feliz, uma menina empurra sobre as pedras, em equilíbrio, um arco de ferro. Ela vive e a pintura mistura os dois pólos da existência. Mas o medo está em qualquer parte, pressente-se nos próprios instantes do contentamento. Por outro lado, ao olharmos os auto-retratos sucessivos de Rembrandt, nos quais há um início faustoso, o último de todos eles tem a grandeza de um fim, testemunho da superioridade do Homem na irrecusável anunciação  do inexplicável apagamento.
Na pintura: imagem da vida.
Igualmente: imagem da morte

Um comentário:

jawaa disse...

Ainda bem «que a maior consistência das coisas se situa para além das aparências».