Como aconselhar alguém, quanto ao procedimento pós
morte: Como? «Pelo fogo, pelo fogo, amigo!» Assim nos vemos, como as falsas bruxas
que os falsos inquisidores faziam arder nas fogueiras do Terreiro do Paço. Só
depois as enterravam.
foto Miguel Baganha
a ironia da história
Mas eu penso: vivi durante nove meses dentro de
um líquido (amniótico) e nasci a berrar com a garganta queimada pelo oxigénio.
Depois disso, quando já tinha seis anos, molhava-me na praia, andava na areia,
andava na terra. Afinal sempre andei na terra e um pouco no ar, levado por
aviões. Só a terra sabe quem sou, não o fogo, embora lhe reconheça, ao fogo, uma
certa grandeza no impulso que deu aos assados, às luzes com óleo de
bisontes, às tochas da Idade Média, às fogueiras de São João. Mesmo assim,
ainda prefiro a água (fria) que lava e cria. É bonito ver as cerimónias, a
bordo de grandes navios, quando mergulham um morto no oceano, preparado para
descer às profundezas do Grande Enigma da Grande Escuridão das covas abissais. Mas
nada como manter os olhos abertos e ver para compreender o mundo pela nossa
própria cabeça.
Eu gosto da terra, mesmo para morrer e ficar dentro
dela até me transformar em ossos. Mas o meu sonho maior, quase impossível, era
ser lançado no espaço (estilo Laika) por forma a que saísse da órbita terrestre
e ficasse «eternamente» a gravitar nos acasos da força dos astros. Esse é
que seria o verdadeiro sarcófago para um homem. Para o único ser inteligente
criador do nosso planeta — votado ao universo que nunca chegou a compreender.
Fogo, terra, Oceano. O espaço, o espaço cósmico, meu
amigo. A Humanidade, viva ou morta devia começar já e emigrar para o espaço,
antecipando o futuro.