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segunda-feira, dezembro 23, 2013

NOJO AOS VELHOS OU O LIMITE DA MENSAGEM


As folhas secas, amareladas e mortas, lembram, em tão grande quantidade, um chão juncado de velhos mortos após um imenso genocídio. Mas não é nada de tão feio, como se pode ver e cheirar: ver sob a luz matinal, algumas caídas sobre um carrinho de transporte manual e talvez sugerindo que todas as outras vieram em transportes deste género para serem espalhadas em redor e ornamentar um pátio qualquer, tornando-o fofo aos passos perto do jardim -- em particular o dos velhos internados no Centro de Saúde atrás da própria imagem. Daqui a dias, seja como for, o ancião que costuma, com outros colegas e amigos, varrer as folhas pisadas, virá transportá-las num dos velhos carrinhos de mão, semelhantes aos outros todos, procedendo devagar ao esvaziamento das folhas, seres indefesos e meio mortos, caídos das árvores e já cheirando à sua breve morte, coisas enfim derramadas derramando-se no lixo da Natureza.


O nojo aos velhos é uma expressão abusiva, talvez ligada a certas analogias de outros domínios, mas corresponde de algum modo a diversas situações fracturantes das sociedades humanas sobretudo nas geografias da fome, das doenças avassaladoras, perante a marcha dos indiferentes não muito longe e das grandes congregações de países ricos e de territórios vastos.
Estes pacientes mais idosos chegam ao hospital muito tarde, em especial quando transitam para a unidade de estudo e diagnóstico. Mas hoje, enquanto lá fora as folhas tombam e os pássaros cantam sem melancolia, os médicos trabalham gente como vemos aqui, na espera inexplicável de tudo: analisam os dados da sua investigação, tanto aqueles que abordam questões neurológicas como os que se dedicam, eventualmente em consequência de tais exames, aos regimes comportamentais aprisionados. Não há aqui, nem lá fora, um sentido apologético que indique estarmos num mundo de apologia técnica, ou, ao contrário, de sedução panteísta.
O tratamento de patologias comportamentais não se compadece (penso) de recolhas ao ar livre, vendo pássaros, camponeses, árvores de diversas raças. Ou simplesmente a relva e o sol, os carros correndo ao longe. Também não se julga conveniente recorrer ao sequestro dos doentes, técnicas de reclusão durante horas intermináveis -- segundo alguns puristas excessivos coagindo o paciente ao desenho de uma ideia ou de um tecido, coisas gráficas, sem nenhuma outra relação de memória ou valor lúdico como noutras conquistas prévias a outras propostas de enquadramento urbano ou em ligação ligeira com imagens presumíveis de bosques, montanhas e rios.


O lixo dos humanos ou o lixo da própria Natureza, aqui e além, são por vezes paisagens diferentes e até fascinantes. Mas ou costumam ser remetidas para a reciclagem ou acabam por matar tudo em volta, não servindo para mais nada. Qualquer reformatação do ser-humano, para perto da sua coerência orgânica, não deve basear-se, em todo o caso, na mais secreta e muito isolada das aprendizagens nem nas totalidades do método libertador de Montessori,

O paciente disse: do outro lado, longe mas dentro de água, vi com toda a evidência o rosto de minha mãe. Não percebi se sorria, pois já começava a perder-se no lixo.



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