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segunda-feira, agosto 24, 2015

FALECEU O PINTOR JUSTINO ALVES - AUSTERO E SÓLIDO

Justino Alves

Morreu o pintor Justino Alves, membro "honoris Causa" da Academia Europeia de Belas Artes. Faleceu aos 74 anos. Este sóbrio pintor, com obra pública e privada, representado em muitas galerias colecções públicas e entre colegas, museus nacionais e estrangeiros, manteve-se sempre fiel a um tipo de construção  abstracta, geométrica, por vezes evocativa da Natureza e do seu mundo vegetal. Ora entre a textura em formas blocadas, ora traçando lisas superfícies de lisas plantas encantatórias, Justino não se entregava à especulação sobre o mundo imaginário, o sonho, as dimensões oníricas. Contudo, a sua pintura primava por uma ordem legível ou intuída em oferta ao contemplador.



Com gente, plantas, espaço, relação trenária cromática, Justino viveu a arte sobretudo nesta medida. Morre agora, como que descansado de uma obra de hoje, sintética equilibrada.

quarta-feira, agosto 05, 2015

MORREU ANA HATHERLY, POETISA QUE DESENHAVA PELA PALAVRA


ANA HATHERLY

Sempre gostei da experiência poética, científica e vivencial, de Ana Hatherly. Não vou fazer a sua história e antecipar tanta saudade. Conversávamos muitas vezes, entre encontros de acaso no bairro onde habitávamos, Campo de Ourique. Ela oferecia-me os seus últimos livros. E, não há muito tempo, eu próprio fazia o mesmo, com obras minhas. Foi uma das poucas pessoas que me leu com surpresa e respeito. Era tentadora a experiência visual da sua poesia concreta, o modo de juntar o visível com a escrita, coisificação inusitada.
Mas, já lá vão muitos anos, Ana fez na galeria Quadrum uma performance que nada ficou a dever à da Gina Pane. Com os cabelos soltos e um traje colado ao corpo, Ana Hatherly enfrentou doze grandes painéis, erguidos em papel de cenário, começando gestualmente a rasgar as superfícies, entre ritmos apaixonados, lentos e de revolta, talvez na marcha de uma vida vencendo as barreiras ou abrindo a visão em profundidade. No outro dia, olhando os rasgões do túnel assim aberto, apetecia atravessar esse espaço, como ela fizera, entre as paredes desvendadas, reiterando a impressão de tudo, no maior dos silêncios, ou abrindo o imaginário aos símbolos e mitos da vida, pelo sulco dos  "desastres principais",


guerrilha entre parênteses
ergue-se da constante chacina
procurando outra coisa
outra causa
o outro lado do ver.

Ana Hatherly, O Pavão Negro (2003)
“Eros frenético” (1968), “Anagramas” (1969),