sábado, junho 30, 2007
A TRASLADAÇÃO DOS HUMANOS
sábado, junho 23, 2007
UM PLANETA EM VIAS DE EXTINÇÃO?
sexta-feira, junho 22, 2007
A GLOBALIZAÇÃO E A SUA SÍNTESE
terça-feira, junho 19, 2007
AINDA HÁ SANGUE A CORRER
domingo, junho 03, 2007
ARQUITECTURA DAS NAVEGAÇÕES
Visito por vezes estes cascos abandonados, lugares lodosos onde se desfazem as arquitecturas das navegações, tábua a tábua, estruturas preciosas amolecendo pela erosão do tempo, pelas diversas transferências sofridas, entre imagens que eu próprio mais desagrego através da luz, reilustrando as primeiras fotografias obtidas há anos a preto e branco. Na ria do Seixal, esta barcaça tem muitas histórias para contar e só os velhos carregadores nos podem dar notícia das viagens aqui terminadas, deste cadáver aqui jazendo.
sexta-feira, junho 01, 2007
ARTE & AMBIENTE CONTENTORES
A realidade quotidiana das cidades é um espaço onde exercemos as nossas prestações, entre a cidadania e os diferentes aspectos, positivos e negativos, do seu recorte civilizacional. Estas fotografias são objectos de mediação: o seu tratamento territorial, as suas cores e conteúdos acenam mais a uma certa beleza abstracta do que à denúncia dos lixos envolntes sobrando nas ruas. Esse é eventualmente um dos caminhos deste meio; contudo, se transfrirmos a cor para o realismo do preto e branco ou do espaço em redor, confuso e ruidoso, descobrimos uma parte significativa do mundo urbano de certas metrópoles de hoje, a espuma suja das marés quando recuam sob os desígnios da lua.
fotos de rocha de sousa
PLANÍCIE OU JÁ DESERTO
Recolhido pela ordem nacional, os desenhos inspeccionados por um guarda legionário, o meu sono era partilhado com as aventuras de Salgari, barcos de piratas, as ilhas do tesouro, uma insónia, uma vigília, folhas raspando o chão do quintal como fantasmas num risinho indescritível, a madrugada na fresta da porta, pouco depois o sol em jeito de redenção no tempo. Sentia o estomago enrodilhado pela fome e pela ansiedade, partir é sempre afrontar a morte, é sempre atravessar um espaço cuja verdade não se pode desvendar. Era tudo por causa da partida para Lisboa dentro em breve, num combóio da tarde, cinco horas até à capital, uma exame mais tarde, o cutelo do professor juiz. Lá subi os degraus de uma carruagem de terceira classe e meu pai ficou parado ali perto da porta, a olhar para mim numa espédie de mágoa, de sentimento de perda. Quando ocombóio apitou em sinal de partida, havia brisa nos meus olhos, brisa fora e dentro, a percepção do chão deslizando enquanto a velocidade aumentava e o medo das lágrimas me aflorava a curva baixa das pálpebras. Aina tinha o estomago enrodilhado e um certo topor no corpo todo. E tudo começava a correr, de ambos os lados da carruagem, a loja do Lopes, a carrinha do filho dele, as janelas das casas desse lado da paisagem semi-urbana, ou, do outro lado, riscos de oliveiras, folhas pardas, troncos, cortinas de luz, pedras e pedras e terra vermelha -- e enfim a mulher da passagem de nível com a sua bandeirola levantada, estátua, rosto vivo, uma cabeça de súbito decepada ou encoberta rapidamente por mais oliveiras. Sentei-me. Estremeci com o apito da locomotiva ardendo em esforço, as rodas a bater nos espaços entre os carris, por causa da dilatação, consoante as condições atmosféricas e as especiais condições de assiduidade no uso. Lembro-me de ver pardais em seta, gado na distâmcia, vagaroso por isso, oliveiras então mais soltas e mais raras, fios eléctricos riscando o céu, fios de ferro também, ao alto, torres de latão próprias da idade do vapor, ainda, ou coisas remotísimas assombranda a paisagem -- e entretanto a curva, oliveiras, tudo sob uma luz seca, cortante, que espalmava as cores contra elas mesmas e as fazia mais pálidas e menos próprias do tempo, os olhos doridos e vermelhos de as fitar ao ritmdo descontínuo das velocidades ilusórias. Viajava sozinho na carruagem. O sono, a terra passando. Por volta das seis horas, o sol a baixar, eu continuava sozinho na carruagem e sacudia as vagas vontades de mudar de lugar, de atravessar o espaço, de molhar a cara para não voltar a adormecer. Mas fiquei na mesma e comi uma banana e atirei a casca pela janela, talvez as formigas a fossem recolher com um milhão de soldados. Estava de pé, o vidro meio aberto, e a planície corria com os seus destroços vegetais, azinheiras, árvores rasas, troncos secos aqui e além, entre terras e terras e terras, a planície certamente, a planície vazia, um tom alaranjado pintando o horizonte. E nem uma casa ou um monte se avistava de um ou do outro lado da carruagem. Encostei o queixo à moldura do vidro, moldura de subir e descer através de um mecanismo singelo e sem gemido ou aperto de qualquer ligeira obliquidade mal gerida. Meu Deua, um homem na paisagem. Um homem ligeiramente curvado, as coisas da labuta diária encavalitadas nas suas costas e sacos e cabaças pendurados do forte cinturão. Pensei: não vi habitações nem silos numa enorme distância, há mais de meia hora. Donde vem e para onde vai este homem, se atrás de si tudo está raso ou abandonado, sem estradas nem veredas, sem plantas baixas, de baixo das árvores? Pensei de novo: este homem trabalha certamente aqui, não pode ser de outra forma, aliás os seus aparelhos dificilmente significariam outra coisa. Mas que raio de ponto, na planície, lhe petenceria como território de labor, como rectângulo marcado, vergastado no tratamento possível, as formigas? Voltei e pensar: o homem ficou decididamente para trás e nem olhou o animal que lhe passava ruidosamente ao lado, talvez isso só sígnifique apenas isso, que ele anda mais devagar e que vem neste sentido -- em busca de quê? Regressa a casa? Onde e quando?. Era preciso contar o tempo para avaliar a profundidade da marcha, um homem só, um camponês, um plantador de seiva, um cavaleiro sem cavalo um trabalhador enfim fechando as horas do dia ao voltar para casa. A noite baixou com firmeza sobre o horizonte em brasa. Olhei o relógio: o meu encontro com o homem em andamento acontecera para cima de quarenta minutos e nem uma casa aparecera, à esquerda ou à direita. Durante mais de uma hora, a situação mantinha-se, agravava-se, certamente insustentável para aquele caminhante. Se a planície tinha nome e pertencia ao território nacional, o homem que ficara naturalmente para trás parecia condenado ao deserto, um deserto pantanoso, baço e sem medida. Com o medo de novo no estômago, fui desembaraçando as linhas dos destinos em volta, imaginando que o camponês se transformara porventura nm homem deserto. Planície ou deserto?
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Rocha de Sousa