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sábado, junho 30, 2007

A TRASLADAÇÃO DOS HUMANOS



que me resta agora, meu amor? Para onde te levaram?
Acabara de passar a multidão dos últimos trasladados, o planeta aquecia e tinha zonas inteiras amortalhadas por uma neve artificial, última tentativa, em suportes de plástico, para conservar viva uma parte da agricultura biológica que as comunidades errantes praticavam. Muitos corpos haviam ficado pelo caminho, em cinza, juntos, despojados das roupas contaminadas, como se procurassem, depois da morte, recuperar a pele e o odor, a percepção e o desejo. Nunca ninguém acredita que tem uma esperança de vida curta e que as mortes em redor nos vão anunciando a nossa, entre preces na paisagem. Quando estas coisas acontecem assim, um pouco por todas as galáxias, ao fim de milhões de anos, todos aqueles que ainda dispõem de lugares propícios à vida acabam entregues a uma imensa e comovente nostalgia, o sentido da perda, como podemos ver nestes documentos, ou gritam um pânico rouco para o espaço afinal em convulsão.




sábado, junho 23, 2007

UM PLANETA EM VIAS DE EXTINÇÃO?



Esta imagem não resulta de um truque em plena ausência: trata-se do planeta Terra, onde vivemos, ou julgamos viver, e tem milhões de anos de existência. Trata-se de um corpo vivo, que precisa de cuidados e é cada vez mais afectado por factores exógenes e outros endógenes, sobretudo os provocados pelo homem. Baseando-se numa filosofia de mero crescimento através de matérias arrancadas ao lugar que nos suporta e torna possível o nosso ser, o homem tem um cego apelo pelo consumo de tudo à sua volta e ainda mal começou a ensaiar as tecnologias despoluidoras, inventando soluções capazes de evitarem uma catástrofe já anunciada

sexta-feira, junho 22, 2007

OS DEUSES POR VEZES BRINCAM ASSIM

pintura de Rocha de Sousa técnica mista

o baile

A GLOBALIZAÇÃO E A SUA SÍNTESE

foto que ganhou o grande prémio em Nova Iorque
Soy Sauce «Stand a Chance»
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A orquestração de banda contínua que se espalha a todo o mundo, absorvendo hipnoticamente quase todos os habitantes do planeta, pode fornecer-nos a utópica e terrível disciplina desta multidão compacta, cabeças rapadas, indumentária igual. Parece um fungo pronto a cobrir a pele do mundo. Mas são apenas representantes da civilização contemporânea dirigindo-se, em nome da globalização, para uma espécie de encontro com Godot. Depois de muita espera, anos e séculos, como se inferia da alegoria de Beckett. O resultado da marcha a duas dimensões comprime-se pela resolução do teorema da globalização -- e a imensa, a inquietante esfera dos corpos esmagados, comprimidos uns contra os outros, forma a grande esfera da salvação universal. Como já muita gente sabe, esta bola pousada não se sabe bem onde, cada vez em maior osmose e sufocação, terá um futuro semelhante à última imagem deste «post». Curiosamente, a fotografia que me serviu para esboçar esta analogia regista o crâneo do primeiro homem anatido com uma arma de fogo no continente americano. Este espécime foi descobeto por uma equipa de arqueólogos em campanha promovida pela National Geographic. Era um antepassado nosso, inca, e terá sido morto há 500 anos por uma arma espanhola durante o cerco a Lima, em 1536. Maior do que esse incêndio bárbaro desencadeado pelos espanhóis naquelas paragens onde duas civilizações foram literalmente dizimadas, é a barbárie actual, em dezenas de pontos do globo, antes mesmo da globalização. Estaremos a caminhar, a par da morte da Terra, para uma implosão produzida por biliões de seres humanos, apesar das bondades apregoadas? Será a globalização, porque iguala eufemisticamente, um churrasco planetário?
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materiais recolhidos do Diário de Notícias, em 21 e 22 junho 07

terça-feira, junho 19, 2007

AINDA HÁ SANGUE A CORRER

Ainda há sangue a correr é uma forma de expressão quase macia, contornando o assombro das tragédias que ns rodeiam. A Europa, berço de uma cultura cujos valores já se fazem sentir para além das grandes guerras, quer falemos da Guerra dos Cem anos, quer nos ocupemos da análise das que decorreram na primeira década do século XX e entre o fim dos anos 30 e parte dos anos 40, com a Alemanha como referência principal dos acontecimentos, na prática dos horrores, Primeira e Segunda Grandes Guerras como infelizmente sabemos, por vezes na própria pele Mas a recuperação apoiada pelos americanos depois deste último e decisivo conflito, numa época em que a solidariedade teve importante época expressão circunstancial.
Mais tarde, usufruindo dos seus valores de civilização e de um entendimento que nos atirou para o projecto da União Europeia, velhas feridas de ocupações, injustiças e negócios de fronteiras, para não falar da memóia histórica onde esvoaçam as terríveis imagens das Cruzadas e da Santa Inquisição, teve a sua hora de paz e de triunfo técnico-científico. Mas os povos explorados da linha do norte de África, até para lá da margem oriental do Mediterrâneo, foram ganhando poder e atirando para o ar o seu grito (tantas vezes alienado) de uma revolta social, religiosa, e até mítica, na mistura promíscua de credos deturpados e aterradoras regras de dilaceração feminina, as burcas, as saias e túnicas até aos pés. Tudo em guerra, de uma ponta à outra, apesar da intervenção das organizaçõpes internacionais. Os Talibãs cegaram para o mundo, procuraram uma estranha pureza sem bases sólidas através do analfabetismo, da proibição dos espectáculos, da música, da ate propriamente dita. Talvez a arte tenha feito de novo o seu entendimento com o Diabo. E quando essa estranha gente, essa estranha cultura, provou ao mundo qual o grau da sua insanidade ao destruir uma enorme figura escultórica, marca da civilização egípcia há milénios, definiu os retrocessos da humanidade e as suas infecções congénitas. Israel, pedra de toque de toda esta história, que o Hamas quer arrancar daquele território para todo o sempre, tem a sabedoria dos perseguidos, mas arrasta consigo a apropriação de fronteiras que não eram as suas, nem mesmo quando se desencontrou de Cristo. E assim, na época dos milagres tecnológicos, há ainda sangue a correr, homens alucinados fazendo-se explodir nos caminhos do futuro. E enquanto morrem por dia centenas de pessoas, sem falar nos emigrados, os professores da barbárie espalham a sua ciência do martírio e as práticas do Juizo Final.

domingo, junho 03, 2007

ARQUITECTURA DAS NAVEGAÇÕES




Visito por vezes estes cascos abandonados, lugares lodosos onde se desfazem as arquitecturas das navegações, tábua a tábua, estruturas preciosas amolecendo pela erosão do tempo, pelas diversas transferências sofridas, entre imagens que eu próprio mais desagrego através da luz, reilustrando as primeiras fotografias obtidas há anos a preto e branco. Na ria do Seixal, esta barcaça tem muitas histórias para contar e só os velhos carregadores nos podem dar notícia das viagens aqui terminadas, deste cadáver aqui jazendo.


fotos de rocha de sousa

sexta-feira, junho 01, 2007

ARTE & AMBIENTE CONTENTORES

A realidade quotidiana das cidades é um espaço onde exercemos as nossas prestações, entre a cidadania e os diferentes aspectos, positivos e negativos, do seu recorte civilizacional. Estas fotografias são objectos de mediação: o seu tratamento territorial, as suas cores e conteúdos acenam mais a uma certa beleza abstracta do que à denúncia dos lixos envolntes sobrando nas ruas. Esse é eventualmente um dos caminhos deste meio; contudo, se transfrirmos a cor para o realismo do preto e branco ou do espaço em redor, confuso e ruidoso, descobrimos uma parte significativa do mundo urbano de certas metrópoles de hoje, a espuma suja das marés quando recuam sob os desígnios da lua.






fotos de rocha de sousa

PLANÍCIE OU JÁ DESERTO

ilustração digital de rocha de sousa

Recolhido pela ordem nacional, os desenhos inspeccionados por um guarda legionário, o meu sono era partilhado com as aventuras de Salgari, barcos de piratas, as ilhas do tesouro, uma insónia, uma vigília, folhas raspando o chão do quintal como fantasmas num risinho indescritível, a madrugada na fresta da porta, pouco depois o sol em jeito de redenção no tempo. Sentia o estomago enrodilhado pela fome e pela ansiedade, partir é sempre afrontar a morte, é sempre atravessar um espaço cuja verdade não se pode desvendar. Era tudo por causa da partida para Lisboa dentro em breve, num combóio da tarde, cinco horas até à capital, uma exame mais tarde, o cutelo do professor juiz. Lá subi os degraus de uma carruagem de terceira classe e meu pai ficou parado ali perto da porta, a olhar para mim numa espédie de mágoa, de sentimento de perda. Quando ocombóio apitou em sinal de partida, havia brisa nos meus olhos, brisa fora e dentro, a percepção do chão deslizando enquanto a velocidade aumentava e o medo das lágrimas me aflorava a curva baixa das pálpebras. Aina tinha o estomago enrodilhado e um certo topor no corpo todo. E tudo começava a correr, de ambos os lados da carruagem, a loja do Lopes, a carrinha do filho dele, as janelas das casas desse lado da paisagem semi-urbana, ou, do outro lado, riscos de oliveiras, folhas pardas, troncos, cortinas de luz, pedras e pedras e terra vermelha -- e enfim a mulher da passagem de nível com a sua bandeirola levantada, estátua, rosto vivo, uma cabeça de súbito decepada ou encoberta rapidamente por mais oliveiras. Sentei-me. Estremeci com o apito da locomotiva ardendo em esforço, as rodas a bater nos espaços entre os carris, por causa da dilatação, consoante as condições atmosféricas e as especiais condições de assiduidade no uso. Lembro-me de ver pardais em seta, gado na distâmcia, vagaroso por isso, oliveiras então mais soltas e mais raras, fios eléctricos riscando o céu, fios de ferro também, ao alto, torres de latão próprias da idade do vapor, ainda, ou coisas remotísimas assombranda a paisagem -- e entretanto a curva, oliveiras, tudo sob uma luz seca, cortante, que espalmava as cores contra elas mesmas e as fazia mais pálidas e menos próprias do tempo, os olhos doridos e vermelhos de as fitar ao ritmdo descontínuo das velocidades ilusórias. Viajava sozinho na carruagem. O sono, a terra passando. Por volta das seis horas, o sol a baixar, eu continuava sozinho na carruagem e sacudia as vagas vontades de mudar de lugar, de atravessar o espaço, de molhar a cara para não voltar a adormecer. Mas fiquei na mesma e comi uma banana e atirei a casca pela janela, talvez as formigas a fossem recolher com um milhão de soldados. Estava de pé, o vidro meio aberto, e a planície corria com os seus destroços vegetais, azinheiras, árvores rasas, troncos secos aqui e além, entre terras e terras e terras, a planície certamente, a planície vazia, um tom alaranjado pintando o horizonte. E nem uma casa ou um monte se avistava de um ou do outro lado da carruagem. Encostei o queixo à moldura do vidro, moldura de subir e descer através de um mecanismo singelo e sem gemido ou aperto de qualquer ligeira obliquidade mal gerida. Meu Deua, um homem na paisagem. Um homem ligeiramente curvado, as coisas da labuta diária encavalitadas nas suas costas e sacos e cabaças pendurados do forte cinturão. Pensei: não vi habitações nem silos numa enorme distância, há mais de meia hora. Donde vem e para onde vai este homem, se atrás de si tudo está raso ou abandonado, sem estradas nem veredas, sem plantas baixas, de baixo das árvores? Pensei de novo: este homem trabalha certamente aqui, não pode ser de outra forma, aliás os seus aparelhos dificilmente significariam outra coisa. Mas que raio de ponto, na planície, lhe petenceria como território de labor, como rectângulo marcado, vergastado no tratamento possível, as formigas? Voltei e pensar: o homem ficou decididamente para trás e nem olhou o animal que lhe passava ruidosamente ao lado, talvez isso só sígnifique apenas isso, que ele anda mais devagar e que vem neste sentido -- em busca de quê? Regressa a casa? Onde e quando?. Era preciso contar o tempo para avaliar a profundidade da marcha, um homem só, um camponês, um plantador de seiva, um cavaleiro sem cavalo um trabalhador enfim fechando as horas do dia ao voltar para casa. A noite baixou com firmeza sobre o horizonte em brasa. Olhei o relógio: o meu encontro com o homem em andamento acontecera para cima de quarenta minutos e nem uma casa aparecera, à esquerda ou à direita. Durante mais de uma hora, a situação mantinha-se, agravava-se, certamente insustentável para aquele caminhante. Se a planície tinha nome e pertencia ao território nacional, o homem que ficara naturalmente para trás parecia condenado ao deserto, um deserto pantanoso, baço e sem medida. Com o medo de novo no estômago, fui desembaraçando as linhas dos destinos em volta, imaginando que o camponês se transformara porventura nm homem deserto. Planície ou deserto?

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Rocha de Sousa