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quarta-feira, janeiro 02, 2008

LÍRICA DO DESASSOSSEGO



fotogramas do filme
LÍRICA DO DESASSOSSEGO



Uma rapariga entra na cave de uma velha casa de província, lugar assoalhado e sobrecarregado de coisas antigas, montes de fotografias, memória e memórias de família, entre restos sem rosto, cheirando a pó. Ela manipula todo aquele património, revendo porventura retratos dos avôs, tios e primos, além de pormenores das maquinarias do mundo. Nesse enlevo delicado e lento, a rapariga é assombrada pela brusca emergência de uma grossa corda, suspense cinematográfico, algo que sobe e se desdobra, sinuosamente se multiplica, arrastando um pedaço de renda e contornando a personagem. Daí em diante, tudo acontece como um ataque visceral daquela «serpente» acastanhada à moça loura que se deixa arrastar pelo chão, procurando num paroxismo orgíaco, libertar-se dos sucessivos enrolamentos, as próprias mãos submersas num enleio de cordas mais estreitas, tudo absorvente, catártico e terminal.




































































































fotogramas do filme rocha de sousa


Os problemas levantados por este género de cinematografia podem reflectir-se na fotografia, nas artes plásticas, embora decorram, muitas vezes, do cruzamento de memórias urbanas, de imagens características do surrealismo ou do fantástico, beneficiando, com o factor suspense, a entrega do espectador. O instante em que a corda emerge de um buraco negro, subitamente aberto entre as fotografias familiares e outras, aponta para os temores que nos acompanham desde a infância, o medo dos aparecimentos repentinos, o salto de um réptil das rachas no chão, a conexão desse «assalto» com a aproximação da violêmcia orgânica, terrores da sexualidade distorcida, sequelas de uma vida mal iniciada no prazer de coisas ainda estranhas, bichos, homens, animais das histórias, a fantasias.

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