____Antes de entrarmos para um lugar de morte, ainda que branca, levemos flores desta árvore ser imóvel mas carregado de vida, na sua beleza homogénea, restos de uma primavera algures. Fotografei esta planta, sentado numa esplanada, no sul, à beira de um rio plácido que reflectia um canavial e uma antiga ponte romana. A árvore estava a poucos metros de mim, mas era o único ser que sorria, fresco, contra a apatia de meia dúzia de pessoas rodeadas de sumos e cervejas. Já tinha olhado para esta figura mondrianesca, na fase básica da primeira representação, mas não dera pela singularidade do seu espectáculo, vendo o que parece mais imperativo ver na normal decorrência do quotidiano, quase nada do que, no fundo, era a única metamorfose significativa (e até simbólica) que se abria, clara, a uma verdadeira precisão selectiva e comparativa do ver, ali. Então disparei a máquina fotográfica, para que aquele momento não se perdesse, e, sem mais vazios ou imagens recorrentes, deixei-me passear pela copa florida da árvore plantada por engano na orla daquela esplanada. É nesses casos, como noutros, que a nossa imaginação, sustentada pela memória e pelas contínuas dinâmicas do nosso cérebro, desagua no largo espaço da consciência e reinventa jardins em volta, por exemplo, ou quadros impressionistas, ou as lendas da cidade, da sua princesa sequestrada por um rei mouro, apaixonado, que plantava um pouco por toda a parte milhares de árvores capazes de florescerem em branco, assim, para que a sua amada lembrasse a neve do país donde viera. Mesmo assim, ao que se crê, a outra lenda trágica de certa mulher fugindo da almedina da cidade e embrenhando-se nos campos numa corrida paroxística, parece, para muitos estudiosos ou visionários, duas notícias da mesma história: a princesa nórdica não teria morrido de saudade, teria apenas enlouquecido quando descobriu que as flores brancas não eram neve e que a pedra avermelhada da fortaleza (sua morada, seu cativeiro) pareciam anunciar a conquista da praça pelos cristãos. E assim foi, com efeito, mas a mulher amada pelo comandante mouro, evadiu-se por uma porta secreta, correndo para Ocidente até mais não suportar. Os soldados que a perseguiam clamavam de longe, olhando em redor: «Ó da louca! Ó da louca!» E então, com a passagem dos anos e o desvanecimento da presença árabe naquela paisagem, os camponeses foram consolidando o baptismo do lugar em que desaparecera a fugitiva:chamaram-lhe ODELOUCA. Ainda existe. É bordado por um pequeno rio. E, curiosamante, esse rio engrossou e vai agora, com uma barragam que controla os benefícos da sua força hídrica, fornecer mais luz às populações locais, na época da tecnologia. As tochas dos soldados que perseguiram a mulher pintável como no «Grito», de Munch, nunca chegaram a ser encontradas.
domingo, outubro 26, 2008
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4 comentários:
Que belo quadro quase pintura e que voz bonita a dizer das lendas da nossa terra.
Bem que poderia partilhar os seus posts, alegrando outras «casas» mais soturnas, cheias de fantasmas.
Ah, aproveito para felicitá-lo pelo texto bonito da nossa casa partilhada no Eremitério, que me fez reencontrar «alguém» conhecido...
Ruidosa, inquietante, bela e feia...
Será que esta imagem nos leva a saber ao certo o que é a vida e o que é a morte?
dani
O BAR DO OSSIAN agradece o apoio.
O convite foi enviado,
agora é só aderir.
Abraço lusitano.
Ruela
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