Tenho a mão pousada na mesa
e vejo os dedos começarem a desaparecer.
Parecem esbater-se sob a névoa ali dispersa,
já não existem porque já deixaram de ser.
O lápis cai, perdi a mão direita.
Ao passar um dos braços restantes pela cara
não há nada para sentir e um horror espreita
dentro de mim, morro de forma rara
dentro de mim, morro de forma rara
por fora e por dentro, sem cabels nem pernas,
como aqueles corpos cobertos de flores ternas
e cada vez menos visíveis, sepultados sem dor,
queimados, enfim, por um lume em torpor,
sem dor,
claramente sem amor.
Eu também, depois de me ter desaparecido o torso
embora o coração ainda bata
e este olho tombado na cadeira de lata
esteja quase a desprender-se do cérebro e sem esforço.
Agora morri.
Não sei quem escreve por mim e devagar sorri.
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excerto de «Talvez Imagens e Gente num Inquieto Acontecer»,
livro de Rocha de Sousa, em preparação
4 comentários:
Este pedaço de ficção é arte feita de letras:
«É com efeito, um jogo ou memória que dá corpo às aparências ou aos temas do imaginário, iludindo os sentidos que os sentidos percebem».
Rocha de Sousa
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- Quem escreve por si, é o outro que viverá sempre. Aquele que olha para o espelho e sorri, vendo as suas costas reflectidas.
Esperamos inquietos pelo acontecer de uma certa manhã. Ou de mais uma obra literária de inestimável valor.
Um abraço,
Miguel
Estimado professor Rocha de Sousa, é enorme prazer que volto a encontra-lo, agora neste meios da blogosfera. Gostaria de contacta-lo para trocar impressões, depois de ter emigrado para Bilbau, onde me doutorei. Suponho que ainda se recordará de mim? Deixo o meu mail, a_delgado@netcabo.pt para contacto. Abraço sincero
António Delgado
Aterradoramente belo!
A inquietude do acontecer manifesta-se neste poema pintado «de antes, de tempo, espaço e vida e ser», ao encontro da pessoa inteira que tem coraçao e tem vida e sorri.
Como aperitivo, abre o apetite para uma faustosa refeiçao.
Obrigada por mais este momento de identificaçao e partilha.
(Desculpe a falta de acentos, bem sabe a razao.)
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