O amor não é nada uma coisa simples e escorreita que se impõe
e permanece por aí, na porta do corredor ou no jardim doméstico ou mesmo junto
dos nossos fantasmas mais amigos e bondosos. Eu sou uma pessoa de
paixões e até de amores, apesar de não saber nada de filosofia, teoria dos
comportamentos e outras «ciências» assim. Ter medo do amor ser
misterioso (no mais profundo sentido da palavra) é mais ou menos
branquear as suas tonalidades e diferenças
caso a caso, uma vez que ele é plural,
transforma-se de pessoa para pessoa, e cada pessoa é, só por si, uma entidade transcendente, inegavelmente
misteriosa, nem sabe donde vem nem para onde vai.
Não se pode levar o amor, que é uma mais
valia da nossa personalidade, para o campo light ou par a
falibilidade do simples e escorreito, como
qualquer canção que logo fica no ouvido, insípida e inodora, binária no ritmo, pano branco sobre a relva da nossa
improvável evidência.
O amor é um dos mais complexos sentimentos da vida humana na sua
manifestação relacional e sob a circunstancialidade da sua própria dinâmica -- dinâmica vital cujo sentido é esquivo
e cujo fim não se conhece. Essa vida exprime
amor, exprime justamente o mistério de si mesma, não há nada de mais penoso ou sombrio
nisso: ele é tão pulsante como o nosso coração e
tão falível como um súbito nada que nos atira para a eterna perda da
consciência.
Se ele não fosse assim, feito à nossa imagem e semelhança, era uma aparência
menor e artesanal, simples, escorreito, ornamental e naturalmente sem mistério.
É bonito?
Claro que sim, quase sempre, como as pessoas que o vivem e se
apoiam nele. Mas isso só me dá razão, mesmo se olharmos para a imensidade do planeta onde vivemos, para o
universo que nos rodeia e onde tudo acontece
sem sabermos porquê, para quê, até quando,
misteriosamente belo, inexplicavelmente imenso, talvez
infinito, a crescer a velocidades impensáveis.
O Universo é belo?
Eu acho que sim, sobretudo porque é misterioso,
poético, de imagens sem nome mas
arrebatadoras. No Universo quase tudo é misterioso, dentro e fora do nosso conhecimento.
O Homem é uma parte desse universo, caminha sobre as estrelas e ao
contrário delas, evoluindo lentamente em busca
(com o amor e outros sentimentos e saberes) do dia em que poderá excluir-se da sem razão que por vezes o rodeia
em muito do que o ultrapassa.
O lado menos reico da arte é o seu lado transcendente, é o diálogo
da forma com o conteúdo, do visível ou do invisível. A arte conhece a manifestação do mistério (não de um
mistério infernal como o belo horrível):
antes do mistério que é a suprema ideia de
nós, a que vamos descobrindo ao retirar muitas das camadas que nos rodeiam
e nos encobrem, pela ciência pela medicina, pela voz das ideias e das
civilizações. O arqueólogo conhece o
mistério dos restos que investiga: pode nunca resolver esse universo, mas vai abrindo caminho através dele, pela razão e pela
utopia.
O lado misterioso do mundo e de alguns sentimentos complexos não é
necessariamente uma coisa má. Pode ter luz e cor, como muitas pessoas gostam. Gostar das cores integradas por
uma velatura uniformizante também é um gosto defensável e a história da arte demonstra-o desde muito cedo.
Sintetizo e peço desculpa: o amor é uma entidade fora de nós, que
esteja ali apenas, legível na maior banalidade das evidências, ainda que bonitas.
3 comentários:
Com efeito, o amor não é simples. E a sua beleza parece, de facto, emergir do seu mistério, a par de tantas outras belezas misteriosas, como a do Universo, aqui tão bem evocada. Mas o amor, essa beleza, esse querer, tem um fim a atingir. Em parte, como se tudo estivesse programado.
"Achas?"
- É indiscutível. Efectivamente, o amor é pretexto.
"E se não houver pretexto?"
- Não haverá milagre.
"Pensando melhor, há aqui uma pontinha de mistério, e é caso para perguntar:Que fez o Homem para que o amor surgisse?"
- Isso é outra história...
Mas nem só de amor ele viverá.
Convém não esquecer que quando nos viramos para a sociedade, é com esse mal que vamos.
"É verdade."
- Entretanto, o mundo continua a pensar que só a experiência nos poderá levar a melhor situação.
Não quero com isto dizer, que a experiência não seja proveitosa, mas antes da experiência, há o erro, a escuridão, a cegueira.
E por muito que nos digam que a experiência nos leva ao saber, na realidade ela não faz outra coisa senão aperfeiçoar a ignorância.
"Então não fazemos outra coisa senão aperfeiçoar erros?"
- Pois não. Contudo, o povo diz: «A base dum melhor viver está no amor, e sem ele não haverá compreensão.»
"E é bem verdade."
- Enganas-te: isso é puro lirismo. O amor é um beco com duas saídas: dá para o bem e para o mal, mas só se sai por por uma delas.
"Mas... então, o amor..."
- Cala-te, piegas. Comprenderás de vez ao dizer-te: é com amor que se odeia.
"Estou desiludido."
- Não deves ficar assim, poeta. Não leste a parte em que o Rocha de Sousa fala sobre o arqueólogo e os mistérios que investiga? Essa analogia ou aforismo, pode ajustar-se a ti...
"Como assim?"
- É fácil. Basta que faças como o tal arqueólogo: mesmo que nunca resolvas certos mistérios do amor, podes sempre tentar «abrir caminho através dele, pela razão e pela utopia.»
Bela dissertação pelo mistério do amor, que logo acendeu um comentário alargado. Zângãos afadigados cobertos de pólen: perguntem às flores se há razão ou mistério quando as pétalas se abrem ao calor da luz e se oferecem ao beija-flor.
Misterioso porque falta entendimento para algo que faz parte de tudo. E não o podendo experiênciar em todas as suas vertentes falta tudo.
É um mistério sem mistério: Nós somos amor! Amor de muitas cores. De muitas formas. Queremos tanto explicar o inexplicável que o mistério adensa-se e fica realmente um mistério difícil de atingir.
Não! O Amor é simples!
Basta aceitar essa energia e vivê-la!
Basta vivê-lo com o coração e não com a razão!
Teresa Pais
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