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terça-feira, abril 17, 2007

A LENTA MORTE DO RIO DA MINHA TERRA
















fotos de Rocha de Sousa


O rio que contorna a cidade onde nasci, no sul, começa a dar sinais de extinção, numa lenta morte, cada vez mais seco, e parece anunciar desse jeito certos desastres ambientais para daqui a algumas dezenas ou centenas de séculos. Por essa altura, ou depois, já terá acontecido o limiar do desaparecimento da maior parte das formas de vida que nos têm sido contemporâneas. É talvez o sinal da passagem de muitas das forças mortais que o homem tem ajudado a desencadear e que poderão iniciar desertificações impensáveis, contra o sonho de um mundo pgrogressivamente mais harmonioso, suspenso do equilíbrio dos haveres e de um projecto de civilização com objectivos menos expansionistas, mais territorial do que urbana, mais conunitária do que massificada.
Os pequenos barcos de modestos pescadores, num rio sempre cheio e fecundo, outrora, são hoje embarcações rasuradas, de recreio, âncoras cravadas na lama ou nas velhas argolas do cais. A perda de salubridade acompanha este processo, é cada vez maior e já não há meninos tomando banho sob os arcos da ponte medieval que serviu, durante séculos, o trato da passagem dos vendedores de diversos produtos arrancados à Natureza, vegetais, frutos, alimentos produzidos em fornos, além de animais, sementes, mezinhas, povo camponês sempre atrás de carroças pesadas e no ritmo de canções feitas pelo aviso lento dos passos.
Acabaram os barcos à vela, velas quadradas, ou as barcaças que recolhiam toneladas de fardos de cortiça em aparas, o peixe chegando ao cais de pedra e colunas de ferro. Tudo o que muda, pela vontade dos deuses e dos homens, vem com o rótulo de crescimento e desenvolvimento. Mas o homem tem feito crescer o mundo em redor, mascarado de progresso, enquanto o desenvolvimento não passa de uma miragem. Qualquer lâmina que fira o verniz do progresso, solta um pús que é a matéria perene da barbárie. Vejo entretanto as pedras roladas do rio em vias de secar a montante, ilusoriamente ressuscitado nas invernias, e as pedras roladas rolando a cada maré, rolando em maior quantidade e devagar, para sul e para ocidente. Apercebendo-se do aquecimento dos ares, e de outras condições de vida que lhes são específicas, as cegonhas não migraram este ano: têm agora o seu habitat permanente nas altas chaminés das fábricas corticeiras abandonadas há décadas. As gaivotas voam suavemente sobre as nossas cabeças, na labuta equilibrada da procriação e da quantidade certa dos haveres. Os homens deixaram de perceber esta forma de estar no mundo, entre terras onduladas, territórios justamente enriquecidos, ligando as gentes através dos rios e dos oceanos.

Um comentário:

naturalissima disse...

Fiquei deslumbrada com estas fotografias... Magnifico... Puxa tiomeu, que surpresa... Adorei contemplá-las.
O texto não fica atrás, acompanha na sua perfeição o sentido e o sentimento que aquelas imagens nos transmitem.
SAUDADE!
E tristeza por sabermos que nada disto é para sempre... que um dia tudo isto vai desaparecer... transformar-se noutra coisa qualquer.

:::Só espero que por cima dele não vão colocar um centro comercial ou um Mac Donald... hehehehehheehhehe