Como sou desorganizado por natureza, não disponho de nenhuma coordenação bibliográfica que diga respeito à minha obra, inicialmente emergente nos anos 60. Este texto que poderemos ler a seguir, da autoria da jornalista e crítica de arte Manuela de Azevedo, é uma peça de grande preciosidade, não pelo elogios que tece à minha primeira exposição na galeria «Diário de Notícias», aliás com uso de vocabulários hoje perdidos quase por completo, mas pelo que dá a ver sobre aquele tempo, algum provincianismo envolvente, algum carinho. O importante, sobretudo, está no surpreendente plano da desmontagem da obra, da sua revelação exterior e interior, dos valores que defendia, da implícita dinâmica daquilo a que se chamava, antes das semióticas e estruturalismos, mensagem. A mensagem, no sentido lírico-retórico, feita de alguns fios românticos, depois aberta às relações perceptivas com a realidade envolvente. Os vocábulos das ciências da linguagem escrita e da teoria da comunicação, transitaram para o domínio das artes plásticas e mudaram os modos de ser, formaram os intelectuais da arte, críticos, orientadores, comissários e curadores.
O texto de Manuela de Azevedo, se nos alhearmos desses mimos próprios do tempo e da pessoa, é um assombroso exemplo de leitura da obra de arte, dos sentidos e projectos de um autor: a técnica pictórica, a simbiose figuração/abstracção, aspectos de natureza expressionista, os títulos e o seu papel, as técnicas e as colagens em desenho. E ainda uma noção exacta sobre toda a morfologia, tipo de sensibilidade, temperamento do ser e do exprimir.
Decidi alinhar estas palavras, assaz escassas quanto à substância do texto de Manuela de Azevedo, um texto que me adivinha desde aquele tempo até hoje, já muitos anos depois da sua morte. O muito que se aprende ainda hoje com a alquimia dos textos remotos e do pensamento plástico outrora, a coerência de alguns autores, a sua viagem, tudo isso emerge ali: porque aqueles meus quadros não negam os de hoje e até lhes conferem suporte. Acrescentaria que muitos visitantes de exposições e críticos me classificaram de ilustrador, como se isso matasse a pintura, e em certa medida ligado à Paula Rego da primeira fase. É verdade que sempre gostei dessa parte da obra de Paula Rego: só que não foi nesse lago que bebi a minha invenção. A velha fotografia, anterior à exposição da Paula Rego na Galeria de Arte Moderna da SNBA, esclarece muita coisa.
2 comentários:
Fico feliz ao constatar que a informação sobre o seu percurso artístico não se encontra perdida, João. Mais do que um percurso, trata-se de um contributo inestimável para a arte, que desbravou caminho e criou espaços para a nova visão e mentalidade portuguesa.
Bom trabalho, mestre! Adorei a lembrança...
Um grande abraço,
Miguel
Nunca é de mais elogiar verdadeiros e grandes artistas.
E fico muito feliz ao ter conhecimento destes documentos que comprovam um percurso artistico profissional rico a vários niveis.
Os meus parabéns, pelo grandioso trabalho, oferecendo novas aberturas e ajudando sempre no crescimento do ensino nas Belas Artes.
um beijinho especial ;-)
Daniela
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