Páginas

terça-feira, abril 15, 2008

VARANDA


Sorte vã na varanda ao entardecer,
um caminho outrora.
Sorte de sombras
nas veredas do céu
ou nas encostas ainda salpicadas de luz,
portal, limite, lugar de partidas entretanto.
Passos raspam a terra,
camponeses retornando do alto da serra,
dedos na carcaça das roupas velhas, dedilhando,
tudo devagar, lasso, perto do fim.
Sorte de casa com varanda colonial,
agora amurada velha do olhar longe,
as horas e os sinos tocando,
embalada de brisas mornas,
sorte de aragem soprando milhões de insectos,
sorte de respirar num ranger afinal manso
em sons breves e surdos, ainda quentes,
outros sons rasgados, emergentes,
que o chão abriga, encobre, esconde
pela geografia feita de arestas cortantes
ou riscos coincidentes,
sorte de varanda afinal já cercada de ventos.
Sorte de velhos trabalhadores
e o som das enchadas deles.
Sorte dos passos, outrora,
entre dunas e juncos e convites a recolher
antes do assalto à morte
por forma a rever mitos e ritos da terra em volta,
ocupada, colonizada,
e cabeças inesperadamente expostas,
rolando, rolando,
degoladas e saltando no declive,
de olhos abertos, espantados e cegos.
Sorte de lugar escavado, sete palmos de terra
retirados à matriz da Natureza.
Hoje vou enterrar, assim,
o que resta dos meus mortos,
tantos e tão poucos no jardim queimado,
sorte de varanda ao entardecer,
cruzes toscas,
grades secas,
espera derradeira
pavorosamente inútil.
De sorte que,
amanhã,
ninguém ressuscitará.

2 comentários:

naturalissima disse...

"Varanda" de outrora, cumplice de tantas memórias vividas.
SER presente que vive e reflecte a condição humana, a sobrevivência do Homem espiritual, na moralidade do estar, até morrer com alguma dignidade em nome de muitas vidas, de uma Nação, e/ou de um DEUS existente ou não.
____

Gostei muito do clima criado no tratamento da fotografia e do poema.
Belo.
____

Um beijinho
eu

jawaa disse...

Um «saparalo» se chamava esse tipo de casa de primeiro andar, na zona onde vivi.
Assim triste como os versos que a acompanham, soa a sinos dobrando.
A tristeza, como a beleza se nela a encontramos, tem sentido.
A saudade também é bonita.