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quinta-feira, setembro 25, 2008

MEMÓRIA DOS MORTOS INSEPULTOS NA CHINA


Chamei por ti, chamei durante horas, onde estás? Quem és tu? Meu filho não, mas isso não importa. Podes ser também meu filho, ajuda-me, que é feito daquela criança de blusa azul? Não sabes? Abre caminho por esse lado, mas tem cuidado, filho. Onde está ele? Onde estás tu? Não chego lá, meu Deus, que Deus faz uma coisa destas, sacrificar crianças. Claro que me falta a mão esquerda. Claro que foi a trave. Põe-se um trapo, tu, meu novo filho, ajuda-me a rasgar a camisa. Ainda não viste um menino de blusa azul? Não viste? Como é que tu queres que eu saiba onde tombou a minha mão? Esta é forte, estás comigo. Mas temos de correr, a mão fica para quem a quiser. Olha a lama, já me chega aos joelhos, agarra a mão que sobrou, agarra a saia pesada. Preciso de ti e dos meus pais e do meu filho. Vestia uma blusa azul. Não há nenhum azul assim. Olha em volta, sobre para as minhas costas, bem agarrado, espreita para a frente, para trás, para os lados. Ele estava mesmo ao meu lado, puxando pelo braço, foi fácil, desprendeu-se dos restos da mão. Vinha comigo, agarrado à roupa e eu a selar contra o peito o sangue que escorria do braço. Não, filho, não tenho dores, nunca tive dores, a única dor é não saber do menino, é perdê-lo para sempre. Talvez amanhã. Talvez com o trabalho dos resgates. Talvez ainda respire. Talvez ainda se perceba que veste uma camisola azul. Talvez Deus ainda tenha compaixão por todos nós, vivos e mortos

3 comentários:

jawaa disse...

Sem palavras para dizer.
Tão bonito por dentro.
Um abraço

Anônimo disse...

TRÁGICO!
BELÍSSIMO!

:/

naturalissima disse...

TRÁGICO!
BELÍSSIMO!

:/