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domingo, setembro 30, 2007

A CHUVA VOLTOU AO ENTARDECER



O Verão, escandalosamente temperado, acabou em tempo imprevisível. Agosto foi muito menos abrasador do que em anos anteriores e os primeiros dias de Serembro apresentaram-se com nuvens altas, pouco ameaçadoras, mas em poucos dias o alarme foi lançado, a chuva começara ao entardecer, aproximava-se uma noite de fortes aguaceiros, maneira eufemística de classificar cargas de água por vezes tropicais. Mas o clima do planeta, ao que nos dizem os cientistas mais honestos, está a aquecer, agravando-se o efeito de estufa, quer por causas naturais, porventura cíclicas, quer pela massa de milhões de toneladas por dia que a acção humana expele para a atmosfera, graus de CO2 cada vez mais acumuláveis aos eflúvios que escapam dos gelos em liquefacção e ajudam a criar um ambiente completamente novo, com reflexos mortais sobre as espécies de aninais integradas nesse habitat, nessas paragens.
Este desarranjo, dilatado por longos períodos de tempo à nossa escala, como aconteceu milhões de anos durante uma Terra possivelmente já formada mas ainda nova, encontra-se numa espécie de misteriosa sintonia com a evolução da história dos homens, pois a crise de conflitualidades entre os povos, apesar de meios aperfeiçoados para a sustentação da vida, tem emergido de novo, à medida que nos afastamos da memória desse horror que foi a II Guerra Mundial e o famoso Holocausto, cada vez mais desdramatizado, ou mesmo negado, por políticos terroristas, por homens de formação militar, enquanto as assimetrias entre as populações, nos vários continentes, se tornam visivelmente menos suportáveis.
A águas que molharam a paisagem deste parque, na orla de um palácio antigo, secam muito devagar. Durante algumas abertas no dia seguinte, o nosso olhar pode espreitar estes reflexos, as árvores ao fundo a preto-e-branco, envolvendo em sombras húmidas grandes pedras ornamentais submersas na erva já viril. O tempo desenha um círculo no espaço, abre o caminho à noite e ao amanhecer, mas as conferências internacionais, a decorrer em Lisboa, na presidência da União Europeia, entre perfumes e água mineral fresca, juntam «chefes de estado» que se prolongam no poder, assassinos e destruidores, com os presidentes estilo Dior, elitistas e perigosamente nacionalistas, gente menor, gente snob. Há reis africanos com os seus diamantes manchados de petróleo, diplomatas da China capitalista/comunista alheios ao horror que acabam por gerar tufões destruidores um pouco por toda a parte, enquanto eles recolonizam África, comprando grandes empresas, ao lado dos falcões americanos que têm vivido de novo a alucinação presidencial, Bush convencido que pode substituir a perda do poetróleo e da água por milagrosas descobertas, venham elas de onde vierem. Os novos F16, de uma versatilidade atacante de ficção científica, servirão muitas mais causas humanitárias, entre o roubo pelos dispersos pontos de chegada, sanzalas, campos de acolhimento, chuva outra vez, o milagre dos pães, a cosmética ocultando a monstruosidade que dá forma à obesidade dos priveligiados.
Um Senador americano, cada vez mais incomodado com a falta de chuva e as cheias indizíveis, apesar de apontar o dedo aos homens do poder pelo mal que fazem ao planeta, acusou Deus de manifesta negligência, culpado das fomes e das guerras, das convulsões no clima, de uma cega acumulação de erros e catástrofes e novas pestes. Por tal situação global, o Senador providenciou formalmente no sentido de levar Deus a tribunal, para ser julgado por tantos crimes contra a humanidade.















3 comentários:

jawaa disse...

Um magnífico texto magoado; vale sempre a pena denunciar.
A primeira fotografia é uma beleza.

miruii disse...

Ali, na "mouche"!
Acrescento: os diamantes manchados "de sangue".
Poesia, a sua escrita; a minha é bravia, tem de ir lá.
Piquei, fui!

naturalissima disse...

Belos momentos nostalgicos que todas as fotografias aqui nos mostra.
Gostei de todas... ;-)